quarta-feira, 19 de outubro de 2011

SÉRIE TEORIAS DA JUSTIÇA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - JOHN RAWLS E O DIREITO DOS POVOS

Após um tempo sem postar, publico aqui o resumo da minha comunicação realizada na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Também publico os slides apresentados. Minha comunicação versou sobre o dever de assistência aos povos onerados previsto como 8º Princípios do Direito dos Povos. Publicarei a íntegra do texto quando eu o tiver revisado melhor.


RESUMO: O presente artigo faz parte de uma investigação inicial sobre a possibilidade de justiça global distributiva. Abordamos a proposta do dever de assistência aos povos onerados feita por John Rawls em sua obra O Direito dos Povos (1999). Na primeira parte descrevemos a formulação rawlsiana reproduzindo passo a passo os argumentos que elaboram o dever de assistência. Indicamos como ele é formulado, quem são as partes envolvidas na sua relação obrigacional, seus objetivos, forma de aplicação e pressupostos teóricos. Em seguida, a partir dos estudos e objeções feitos por Thomas Pogge, problematizamos o dever de assistência tanto do ponto de vista interno da teoria de Rawls, se ele atende as expectativas normativas do que as partes deliberariam na segunda posição original, quanto do ponto de vista externo, se ele atende a uma compreensão adequada da atual realidade político-econômica global. Ao final concluiu-se que a tese de Rawls não consegue atender nem a seus horizontes teóricos, tampouco à complexidade das relações internacionais contemporâneas.

 http://ifile.it/yei2t9m/O dever de assistência aos povos onerados..pdf














sábado, 20 de agosto de 2011

Série Teorias da Justiça e Relações Internacionais - John Rawls e O Direito dos Povos.



Qual é o Lugar da Soberania na Sociedade dos Povos?


A presente explicação vem em resposta ao amigo Prof. André Coelho e seus comentários feitos no post anterior. De nossas conversas surgem muitos esclarecimentos e suas intervenções são sempre uma maneira de aprender mais. Tentarei responder apenas à primeira parte de suas indagações. Relembrando-as, André Coelho perguntou (1) “quais seriam as razões normativas para Rawls não desconsiderar completamente a soberania dos Estados e criar uma ordem cosmopolita pós-nacional?” e (02) “considerar que a soberania seria um limite inultrapassável para qualquer projeto internacionalista?”.

Preliminarmente, vamos delimitar o sentido de soberania que estamos trabalhando aqui. A soberania a que o André Coelho se refere é aquela clássica que aprendemos nos manuais de Teoria Geral do Estado no Curso de Direito constituída pelo sentido de não submissão a qualquer poder para além do Estado. Esse é soberano porque no âmbito interno tem o monopólio da produção do direito, da coerção, do exercício da jurisdição, dentre outras competências.  Já no âmbito externo a Soberania é reconhecida principalmente pelo fato do Estado não estar subordinado a poder algum, a não ser que o faça voluntariamente.
Na história das relações internacionais o marco constitutivo desse conceito de soberania é a Paz de Westphalia estabelecida em 1648. No plano da história da filosofia política, o pensador que mais influenciou e ainda orienta as visões contemporâneas sobre a soberania no sentido acima é Thomas Hobbes.

Inicio a resposta pela pergunta (2). Em O Direito dos Povos Rawls não considera a soberania um limite inultrapassável. Antes, o seu exercício é relativizado e a estratégia teórica adotada por Rawls para torná-la porosa passa, ao meu ver, por dois momentos: (a) a escolha dos autores e destinatários do direito dos povos e (b) valorização da autodeterminação do povos.


(a) Os autores e destinatários dos princípios de O Direito dos Povos, segundo Rawls são os povos como ele estabelece de plano no §2. Por que povos e não Estados? Primeiro os povos, segundo Rawls, são pessoas morais dotadas dos atributos já conhecidos de sua filosofia política razoabilidade e racionalidade. Além disso, os povos possuíriam três características: governo constitucional razoavelmente justo, união em torno de afinidades comuns e natureza moral. Essas três características distanciam o projeto rawlsiano de qualquer proximidade com o entendimento clássico sobre soberania. 


Já na argumentação da primeira característica, Rawls afirma os governos não devem estar submetidos a imperativos sistemicos, funcionando de maneira autonoma e arredia aos interesses legítimos dos cidadãos. Um regime não pode furtar-se, arrazoa, a prestar contas aos cidadãos, tampouco a submeter-se aos interesses privados das grandes corporações e muito menos evitar a publicização de todos os seus atos. Aqui, nos parece, estão todos os elementos que já foram levantados por Kant em À paz perpétua e uma rejeição a muitas prescrições feitas por Hobbes em Do Cidadão.


O segundo aspecto das afinidades comuns não resprenta em Rawls a afirmação de que são os elementos pré-políticos que devem determinar a formação da união política dos cidadãos. Rawls reconhece a importância dos elementos pré-políticos como história, língua e orígem como compartilhadas, mas, também, retoma o fato do pluralismo por meio da constatação de hoje temos de elaborar princípios políticos comuns capazes de regular a cooperação dos povos das mais diversas origens. Podemos inferir, nesse ponto, que Rawls afasta-se claramente de uma visão clássica de soberania que fosse fundada num sentido de autoafirmação existencial de um povo, compreendido em sentido pré-político a Carl Schmmidt. 


Por último, a natureza moral dos povos faz com estes tenham os atributos da racionalidade e razoabilidade. A racionalidade que em Rawls é capacidade de avaliar os melhores meios e instrumentos para o alcance de um objetivo também é uma das característica dos povos. Essa poderia ser confundida com as razões de Estado, típicas da soberania clássica, se não fosse limitada pela razoabilidade. Rawls é bastante direto ao afirmar que a razoabilidade limita a racionalidade dos povos, apontando para a determinação da disposição em estabelecer termos de cooperação justos e equitativos entre os povos. 


Assim, os povos, por meio de suas características acima, não estariam submetidos ou propensos a formular um conceito de soberania que recaisse na visão clássica estabelecida em Westphalia. Mas não é apenas por meio de tais características que a soberania clássica é afastada por Rawls. Também o procedimento estabelecido pela segunda posição original, da qual são extraídos os princípios que devem reger o direito dos povos submete a ação dos Estados, uma vez que sua legitimidade está sujeita à conformidade com tais princípios. Dessa feita, os direitos tradicionais à guerra e a autonomia interna irrestrita são limitados pela formação de princípios elaborados pelos povos.


(b) Rawls não abandona a autodeterminação dos povos. Apenas tal autodeterminação ganha um sentido diferente daquele classicamente determinação pela idéia de não interferência abosoluta nos assuntos internos de um Estado e na limitação das pretensões internacionais de um Estado. A autodeterminação está restringida pelos limites razoáveis estabelecidos nos oito principios de justiça estabelecidos para o direito dos povos. Ela não tem um sentido pré-político, de afirmação de uma cultura ou tradição que não é capaz de adequar à exigências da justiça. A autodeterminação positivamente está ligado ao direito que todos os povos têm de preservar suas  instituições, liberdades, aspectos sociais e econômicos, ajustando sua estrutura básica fazendo justiça aos seus cidadãos. 


Agora a autodeteminçãoautodeterminação dos povos torna-se a autodeterminação política tomada a partir das três características dos povos acima tratadas e sujeita aos princípios do direito dos povos.


(1) De posse dos elementos acima, a primeira pergunta pode ser respondida da seguinte maneira: em O Direito dos Povos não estamos diante de considerar ou desconsiderar a soberania, ou "não desconsiderar completamente" a mesma. Rawls quer apenas limitar seu sentido clássico por conta de seu entendimento acerca da razoabilidade e de como essa é capaz de impor limites à racionalidade dos Estados encarnada nas clássicas razões de Estado. Os motivos normativos para impor tais limites estão na visão de que tais imposições constituem as condições de partida para uma sociedade dos povos cooperativa e justa. 

Se a sobernia é exercida fora dos limites do direito dos povos então ela deve ser refutada, pois ela impede a convivência justa entre os povos. Na outra ponta, se ela é exercida em conformidade com os princípios do direito dos povos então ela tem legitimidade. Eis então que a idéia de que é impossível restringir o poder soberano dos Estados na arena internacional é contraposta pela ideal de um direito internacional capaz de estabelecer os limites da ação legítima do Estado.


Ao final, entendo que Rawls não quer uma ordem pós-nacional. Das minhas leituras, até o presente momento, o vejo de maneira bastante dualista. O Estado nacional tem seu lugar bem resguardado em o Direito dos Povos. Já a soberania tem um lugar menor do que o Direito. A juridificação das relações torna-se o domestificador do poder que não passa mais ser exercido ilimitadamente, tanto que a sociedade dos povos é autorizada a agir em prol da proteção dos direitos humanos e da proscrição das guerras de agressão.

sábado, 23 de julho de 2011

Série Teorias da Justiça e Relações Internacionais - John Rawls e O Direito dos Povos


John Rawls e O Direito dos Povos

1. Aspectos preliminares.




A influência de John Rawls na filosofia contemporânea é incontroversa. Suas duas grandes obras Uma teoria da justiça e Liberalismo Político marcam profundamente o estágio atual da filosofia política contemporânea. Também na filosofia política das relações internacionais Rawls deixou um legado teórico com a obra O Direito dos Povos
Na biografia de Rawls, suas primeiras incursões sobre a política internacional ocorreram num curso de verão lecionado em Harvard em 1969, cujo título foi “Problems of War” [1]. Desde então, como o próprio Rawls relata no prefácio de O Direito dos Povos[2] - LOP, o filósofo retomou no fim da década de 1980 a mesma temática do que ele chamou inicialmente de “O Direito dos Povos”. Em 12 de fevereiro de 1993 ele proferiu uma conferência (Oxford Amnesty Lecture) também intitulada “O Direito dos Povos” que foi publicada na obra On Human Rights: The Oxford Amnesty Lecture de 1993. A última versão foi elaborada por Rawls entre 1997-98, constituindo-se uma revisão de três seminários que Rawls fez em Princeton em abril de 1995[3].

LoP é uma obra de Rawls que vai ao encontro dos seguintes problemas: o estabelecimento de uma nova ordem mundial no pós-guerra, estudo das condições sob as quais os conflitos podem ser considerados justos, o papel dos direitos humanos, a investigação acerca de justiça distributiva em âmbito global, etc[4]. 

Em LoP Rawls reconhece a importância dos elementos tradicionais das relações internacionais como a personalidade jurídica dos Estados, respeito a integridade territorial, autonomia e independência na sua atuação de suas políticas externas. 
Porém, Rawls contribui contemporaneamente às teorias das relações internacionais abordando conceitualmente o tema das restrições ao uso da soberania clássica. Dentre as idéias teóricas mais importantes elaboras em LOP estão: (a) proibição de entrar em guerra, exceto nos casos de autodefesa, (b) o respeito aos direitos humanos e (c) o dever de promover a economia e o desenvolvimento das “sociedades oneradas” [5].

São os pontos (a) e (b) levantados por Rawls que mais interessam para a futura pesquisa sobre Intervenções Humanitárias e Direitos Humanos. Porém, antes de avançar sobre eles, é preciso explicar o método construtivista de Rawls no âmbito da filosofia política e sua aplicação às relações internacionais. 

O sentido que Rawls atribui do que seja uma concepção construtivista de justiça é fundamentado na idéia de que tal concepção:

"representa os princípios da justiça, não como parte de alguma ordem atemporal e estabelecida independentemente na mente, cogniscivel através de uma razão teórica, mas, sim como "o resultado de um processo de construção "enraizado em um raciocínio prático e não teórico"[6].

Rawls está preocupado em LoP em expandir os limites da possibilidade prática da política[7]. Nesse sentido, propõe um procedimento que reconheça os problemas da realidade social apresentando soluções que se harmonizem com as nossas exigências ideais expressas na liberdade, autonomia, cooperação social justa e estruturas bem-ordenadas[8]. Sob as condições sociais e com o olhar nesses ideais normativos, o objetivo de LoP é dizer como uma Sociedade de Povos seria possível.

Por isso, em LoP Rawls explica que o intuito da sua monografia é estender a possibilidade de uma utopia realista tanto às sociedades liberais quanto aos demais povos que atenderem as exigências da justiça.


O sentido da idéia de utopia realista no pensamento filosófico de Rawls expressa bem como será aplicado o seu construtivismo em LoP. Quais seriam as exigências morais postas nos limites das condições sociais e políticas? Qual é o conteúdo dessas condições que Rawls trata?

O conceito de utopia realista proposto por Rawls trabalha sob a tensão que se desenvolve a partir das exigências morais e da realidade social. A explicação do que Rawls considera como utópico, bem como realista é encontrado nos primeiros parágrafos da Teoria Ideal desenvolvida em LoP.

O sentido utópico não reside em algo irrealizável, mas na tentativa de propor a possibilidade de uma sociedade justa, seja no âmbito interno, seja no âmbito externo, por meio de leis e instituições
[9]. Já o sentido do realístico está em conciliar essas exigências com a condição social em que se encontram as sociedades contemporâneas.

Para Rawls são as presentes condições históricas, cujo traço mais marcante é o pluralismo[10] no âmbito interno e o diversidade entre povos que, no âmbito externo, expressam diferentes culturas e tradições de pensamento, sejam elas religiosas ou não, diversidade de regimes constitucionais ou não, etc[11].

Rawls entende as condições acima como inquestionáveis. A tarefa de seu construtivismo é tornar tais condições justas. É avançar do pluralismo para o pluralismo razoável, da diversidade de povos para a diversidade de povos razoáveis. Rawls quer introduzir os elementos morais capazes de tornar a convivência diversa justa.


Em seus termos, tal convivência seria razoável porque não exigiria nada além do que uma maior justiça política e liberdades para os seus membros sob as condições sociais postas. Assim, propõe uma concepção de justiça que consiga conjugar a diversidade de cosmovisões abrangentes de mundo, as aceitando, tolerando e tornando a sua convivência pacífica e duradoura.


E
m tais condições a Sociedade dos Povos se posiciona diante da diversidade de povos tendo de manter a viabilidade de seu projeto ao mesmo tempo em que sustenta as noções de justiça. A Sociedade dos Povos deve também compreender os povos[13] e sua condição social plural, propondo princípios, instituições e leis que consigam alcançar a estabilidade pelas razões certas.

Eis que é preciso então formatar uma estrutura básica cujo conteúdo seja legítimo por atender os critérios de justificação pública que os povos possam atribuir e exercer entre si. Quanto ao lado realista, a Sociedade dos Povos há de ser funcional e aplicável às relações políticas cooperativas[14].

Além disso, ela deve atender às necessidades do plano político conjugada com o desenvolvimento do senso de justiça de seus membros. Uma das condições fundamentais se dá com a exigência de que os povos apóiem governos que honrem o Direito dos Povos, uma vez que para Rawls a lealdade ao Direito dos Povos não precisa ser igualmente forte em todos os povos, mas, idealmente falando, dever ser suficiente
[15]. Por último, a unidade dos povos é mantida pelo conteúdo de uma razão pública entre os povos apoiada pela tolerância entre a diversidade de concepções de justiça existentes entre os povos[16].

Dadas tais condições, Rawls utiliza a posição original como modelo de representação aplicando-a em LoP três vezes: (a) na primeira parte da teoria ideal: a.1- no âmbito interno das sociedades liberais como já havia feito antes em Liberalismo político; a.2 – no âmbito externo, primeiro entre os povos democráticos e liberais
[17]; (b) na segunda parte da teoria ideal, no âmbito externo, quando estende a Sociedade dos Povos aos povos hierarquicamente decentes. Após essas três etapas, surgem os seguintes princípios[18]:

1. Os povos são livres e independentes, e a sua liberdade e independência devem ser respeitadas por outros povos.

 

2.Os povos devem observar tratados e compromissos.

3.Os povos são iguais e são partes em acordos que os obrigam.

4.Os povos sujeitam-se ao dever de não intervenção.

5.Os povos têm direito de autodefesa, mas nenhum direito de instigar a guerra por outras razões que não a autodefesa.
 

6.Os povos devem honrar os direitos humanos.

7.Os povos devem observar certas restrições específicas na conduta da guerra.

8.Os povos têm o dever de assistir a outros povos vivendo sob condições desfavoráveis que os impeçam de ter um regime político e social justo ou decente.




[1] MARTIN, Rex; REIDY, David. Introduction: Reading Rawls’s The Law of Peoples. IN: MARTIN, Rex; REIDY, David. Rawls’s Law of Peoples: a Realistic Utopia? Blackwell Publishing, 2007, p. 05.
[2] LoP, p. XVII.
[3] LoP, p. XVII-XVIII.
[4] MARTIN, Rex; REIDY, David. Introduction: Reading Rawls’s The Law of Peoples. IN: MARTIN, Rex; REIDY, David. Rawls’s Law of Peples: a Realistic Utopia? Blackwell Publishing, 2007, p. 06.
[5] Op. Cit. p. 06.
[6] Do original: “represents the principles of justice not as part of some timeless and mind-independent moral order known trough theoretical reason, but rather as ‘the outcome of a procedure of a construction” rooted in a practical rather theoretical reasoning”. MARTIN, Rex; REIDY, David. Introduction: Reading Rawls’s The Law of Peoples. IN: MARTIN, Rex; REIDY, David. Rawls’s Law of Peples: a Realistic Utopia? Blackwell Publishing, 2007, p. 11.
[7] LoP, p. 06.
[8] MARTIN, Rex; REIDY, David. Introduction: Reading Rawls’s The Law of Peoples. IN: MARTIN, Rex; REIDY, David. Rawls’s Law of Peples: a Realistic Utopia? Blackwell Publishing, 2007, p. 11.
[9] LoP, p. 15.
[10] O conceito de pluralismo razoável como o próprio Rawls faz referência é desenvolvido em Liberalismo Político.
[11] LoP, p. 15-16.
[12] LoP, p. 17 a 22. São elas: (a) as realistas – a. 1 reconhecimento da realidade social e propositura de leis e instituições capazes de corrigir essa realidade; a.2 – princípios e preceitos funcionais e aplicáveis ao arranjo social existente; (b) – as utópicas: b.1 - utilização de idéias, princípios e conceitos morais para especificar uma sociedade como justa;  b.2 – satisfação dos critérios de reciprocidade, todas as leis devem ser aprovadas por cidadãos livres e iguais; b.3 – categoria do político contendo os elementos de justiça; b.4 –  concepção política razoável de direito firmada sobre o consenso sobreposto de doutrinas abrangentes; b.5 – uma idéia razoável de tolerância. 
[13] Rawls utiliza povos ao invés de Estados, pois para ele os povos têm natureza moral. No caso dos povos liberais essa natureza moral se manifesta na razoabilidade e racionalidade (LoP, p. 33). Já no caso de alguns povos hierárquicos, existe a possibilidade de possuírem uma natureza moral menos exigente que é a decência (LoP, p. 82-92). Além disso, uma importante distinção que Rawls faz está em sua consideração de que os povos não padecem dos vícios da soberania clássica como o Estados que, de posse da noção estabelecida na Guerra dos Trinta Anos, sempre padeceram ao buscar seus interesses particularistas (LoP, p. 33-38). 
[14] LoP, p. 23.
[15] LoP, p. 24.
[16] LoP, p. 24-25.
[17]Num momento posterior, após a avaliação do tema e da relevância dele, posso melhorar esse ponto, uma vez que pretendo ampliar a investigação sobre Rawls. Pelo menos aqui, tenho de simplificar.
[18] LoP, p. 47-48.

Sério de Estudos - Teorias da Justiça Aplicadas e Relações Internacionais

Após um tempo sem postar novos trabalhos, anúncio que iremos iniciar uma série de publicações em torno das Teorias da Justiça Contemporâneas e as Relações Internacionais. Inicialmente iremos abordar John Rawls - O Direito dos Povos, Jürgen Habermas - A Inclusão do Outro, Constelação Pós-nacional e Ocidente Dividido e Otfried Höffe - A Democracia no Mundo de Hoje. A minha pretensão com esse estudo é debater tais teorias com vistas a minha pesquisa em torno da Justiça e as Intervenções Humanitárias.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Caso Cesare Battisti

Ontem o nosso Supremo Tribunal Federal, por seis votos a três, decidiu que o italiano Cesare Battisti fosse solto, se não estivesse preso por outro motivo, além do processo de extradição. Para a maioria dos ministros, a decisão do ex-presidente da República, Sr. Lula, foi um “ato de soberania nacional” que não pode ser revisto pelo Supremo.  Não irei me manifestar sobre o caso antes de uma leitura detalhada dos acórdãos. Ao todo, foram mais de 300 páginas de debate sobre o caso. Qualquer leitura menos cuidadosa pode ser leviana. Por enquanto quero apenas dizer que nossa Democracia está dando vários exemplos de como tornou-se importante o debate público de nossas instituições, de temas que envolvem a nossa vida e de como queremos o Brasil. Não digo isso por conta do conteúdo material da decisão do STF tomada ontem. Digo isso por conta da importância que os brasileiros estão dando aos debates que importam a nossa vida e de como estamos caminhando para tomar o caminho de debate institucional. Por último, para que possamos analisar o caso, trago em anexo o link para os acórdãos, para quem quiser baixar sem ter de ficar procurando no site do STF.



Abraços

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610034

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Será que todos estão de acordo com o método da execução de Bin Landen?

Para aqueles que pensam que todos estão indiscutivelmente de acordo com a maneira em que os EUA procederam quanto ao terrorista Osama Bin Laden, vale publicar aqui a ação de organizações não governamentais e representantes junto à ONU. Por isso o Post abaixo.

Apoio ao Comunicado dos Relatores Especiais das Nações Unidas sobre a morte de Osama Bin Laden » Conectas - Direitos Humanos

Apoio ao Comunicado dos Relatores Especiais das Nações Unidas sobre a morte de Osama Bin Laden » Conectas - Direitos Humanos

Por uma Justiça Cosmopolita verdadeiramente Pública

Prezados,

A velocidade dos acontecimentos nem sempre é compatível com uma boa análise acadêmica. Nesse sentido prefiro reservar-me primeiramente ao papel de um cidadão que observa tudo de maneira atenta e procurar formular seus juízos como muita cautela.

Nesse sentido, apenas me manifestarei sobre a morte de Osama Bin Laden com uma única premissa: uma Justiça Cosmopolita verdadeiramente pública não pode permitir execução de sentenças sem antes um julgamento em haja ampla defesa e contraditório. A execução de Osasma Bin Laden foi o mesmo que uma sentença sumária de morte. Ela também foi contrária ao que a História e o Direito Internacional Público entendem sobre crimes Contra a Humanidade. Nós temos os precedentes dos Tribunais Pós-Guerra, como o de Nuremberg e temos também o Tribunal Penal Internacional. Quanto a este último, quando é que os EUA irão tornar-se membros deste. O que fica é a sombra de um liberalismo ético ampliado internacionalmente e que não está disposto a um discurso público.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma perquena referência sobre o Cosmopolitismo -


O cosmopolitismo é muito mais antigo do que a maioria dos autores costumam reconstruir. Robert Fine explica que o cosmopolitismo é anterior ao nacionalismo, tendo começado com os antigos gregos[1]. No mesmo sentido Andrew Linklater explica que a idéia de uma cidadania cosmopolita mundial teve sua primeira ocorrência com os gregos no quarto século A.C. quando a polis e as virtudes cívicas estavam em franca decadência[2].  
Por sua vez Gillian Brock e Harry Brighouse acentuam que o termo cosmopolitismo tem sua origem nos estóicos, para quem a idéia de ser um “cidadão do mundo” resgata dois dos principais aspectos do cosmopolitismo: a questão da identidade e da responsabilidade[3]. Estes dois últimos aspectos são fundamentais para se repensar o conceito de cidadania diante da crise dos Estados nacionais, do sistema de bem-estar social e da pluralidade étnico-cultural em que nos encontramos.   
Somado ao longo traço histórico, o cosmopolitismo tem encontrado ressonância nos meios políticos, filosóficos, sociológicos e assim por diante. Como Robert Fine acentua, os principais expoentes do pensamento moderno tem se defrontado com o cosmopolitismo em algum aspecto, desde o Abade Saint-Pierre, passando por Rousseau, Kant, Hegel, Marx e Durkheim, todos de alguma forma debruçaram-se sobre o cosmopolitismo e deram contribuições significativas[4].
Dentre todos estes grandes pensadores, foi Immanuel Kant quem deixou os traços mais profundos no ideário do cosmopolitismo, pois muitos aspectos de sua aclamada À paz perpétua de 1796 ressoaram nas instituições e organismos internacionais, cujo maior paradigma é a Organização das Nações Unidas. Kant continua sendo a principal fonte de filosofia política para os autores que resgatam e reconstroem o cosmopolitismo, cujos expoentes mais destacados podem ser citados aqui: John Rawls com seu Direito dos Povos, Jurgen Habermas (A Inclusão do Outro e A Constelação Pós-Nacional), Seyla Benhabib (Another Cosmopolitanism) e Otfried Höffe (Democracia no mundo de hoje).  
No que tange as principais correntes que tratam do cosmopolitismo, Gerard Delanty[5] didaticamente as organiza, embora outros autores também o façam[6]. Assim, temos: (a) Cosmopolitismo Internacionalista e Legal, focado na engenharia institucional e na aplicação do direito em todas as esferas, transnacionais, nacionais e locais, como forma de ordenação global; (b) Defensores da sociedade civil global, vertente preocupada com a possibilidade política de uma governança global; (c) comunidades transnacionais, caracterizado por ser preocupado com um cosmopolitismo cultural; (d) Pós-nacionalismo, fundada na concepção de que os limites da soberania nacional não são mais suficientes para responder as novas demandas globais.        
As correntes acima não são estanques, tampouco pode-se dizer que alguma delas não defenda novas instituições, direitos ou formas de organização política das sociedades e dos indivíduos. A complexidade que o tema abarca não permitiria poucos debates sobre o tema. Todavia, se o arco de correntes que defendem o cosmopolitismo é amplo, pode-se afirmar que o rol de críticas contra os seus argumentos não goza da mesma abrangência.
Geralmente, duas são as críticas clássicas quanto ao cosmopolitismo: a. que este seria apenas o novo veículo ideológico para interesses políticos particularistas mascarados em discursos universalistas; b. o cosmopolitismo não poderia propor um novo modelo de cidadania, pois não existem equivalentes na comunidade internacional para o nacionalismo e o Estado nacional[7]. Ambas as críticas são dignas de esforços argumentativos. Agora, contra elas podem ser opor os argumentos de que é possível um universalismo sensível às diferenças e inclusivo[8], bem como o exemplo da existência de uma comunidade internacional que legisla em favor dos direitos humanos[9], que reconhece os indivíduos como sujeitos de direito internacional[10] e institucionaliza mecanismos institucionais, sobretudo judiciais [11] para defesa desses.
             Ainda, o cosmopolitismo não representaria apenas uma nova forma jurídica ou política para os desafios de um Estado nacional erodido em suas bases clássicas ou para a crise do conceito de cidadania. Antes, consistiria em uma nova forma de se pensar a sociedade, a política e o direito[12] para além das bases postas nos alvores da modernidade.

[1] FINE, Robert. Cosmopolitanism. Routledge: London, 2007, p. 09.
[2] LINKLATER, A. Cosmopolitan Citizenship. IN: ISIN,  Engin F., TURNER, Bryan S (eds.) Handbook of Citizenship Studies. Sage Publications: London, p. 317.
[3] BROCK, G; BRIGHOUSE,  H. Introduction. IN: The Political Philosophy of Cosmopolitanism. Eds. BROCK , G.; BRIGHOUSE, H. Cambridge University Press,   p.02.
[4] FINE, R. Cosmopolitanism. Routledge: London, 2007, p. 09
[5] DELANTY, G. Citizenship in a global age: society, cuture, polits. Open University Press:  London, 2009, p. 52.
[6] Como exemplo o de Barbara Arneil que também oferece uma classificação interessante para a definição das principais correntes filosóficas que abordam o tema. No texto Global Citizenship and Globalization a Autora as divide em: (a) cosmopolitismo liberal, cujo maiores expoentes são Jhon Rawls, Charles Beitz e Tomas Pogge dentre outros, cujo eixo central é a autonomia do individuo como unidade moral; (b) cosmopolitismo democrático, associado a Jürgen Habermas e Seyla Benhabib, no qual o mote é a expansão da teoria discursiva da democracia a níveis globais; e (c) cosmopolitismo radical, de Jean Cohen, Chantal Mouffe e William Connoly, que partem de análises marxistas e gramcianas da hegemonia e poder para rejeitar as idéias e a defesa do universalismo ético e criticar as duas correntes anteriores.   
[7] LINKLATER, A. Cosmopolitan Citizenship. IN: ISIN,  Engin F., TURNER, Bryan S (eds.) Handbook of Citizenship Studies. Sage Publications: London, p. 317
[8] HABERMAS, J.  A inclusão do outro.  Edições Loyola: São Paulo, 2007, 3ª edição.
[9] Nesse sentido, STEINER, Henry J. International Protection of Humans Rights. IN: EVANS, Malcom D. (ed.). International Law. 2nd. ed. New York: Oxford University Press, 2006.
[10] MACCORQUODALE, R. The  Individual And The International Legal System. IN: EVANS, Malcom D. (ed.). International Law. 2nd. ed. New York: Oxford University Press, 2006.
[11] CASSESSE, A. International Criminal Law. IN: EVANS, Malcom D. (ed.). International Law. 2nd. ed. New York: Oxford University Press, 2006.
[12] FINE, R. Cosmopolitanism. Routledge: London, 2007.