O resumo abaixo é apenas uma primeira leitura do texto, sujeita à
revisão mediante o debate.
HONNETH, Axel. Justicia e Libertad Comunicativa.
Reflexiones en conexión con Hegel. In. Crítica
del Agravio Moral: patologias de la sociedad contemporânea. Buenos Aires: Faculdade Autonoma
Metropolitana, 2009, p. 225-248.
Honneth inicia o
texto afirmando que se consolidou no âmbito das teorias da justiça social ou da
filosofia política duas posições metodológicas:
- A. Quanto ao procedimento de
fundamentação: a instância de justificação normativa é determinada por um
procedimento deliberativo em que os participantes se põem em uma situação real
ou fictícia, sob condições de imparcialidade, para determinar os princípios de
justiça que irão reger as situações futuras de cooperação. A
imparcialidade do procedimento garantirá que os resultados obtidos sejam
aceitáveis como regra a ser invocada por todos os membros da sociedade.
- B. Quanto ao objeto central de Justiça:
o procedimento toma por objetivo determinar quais seriam os princípios de
justiça para sujeitos que tem como principal interesse a realização dos seus
planos de vida da maneira mais autônoma possível. Isso conduz ao entendimento
de que a essência da justiça é o gozo de uma liberdade subjetiva mínima e
igualmente compartilhada por todos os sujeitos. A justiça social então seriam
uma facilitadora igualitária da autonomia individual.
Até aqui pode-se
entender claramente que Honneth está lidando com o contexto contemporâneos da
teorias da justiça. Primeiro ele está se referindo claramente à Rawls. Além
disso, ele mesmo destaca que está lidando com o debate
liberalismo/comunitarismo.
Honneth entende
que essa concepção hegemônica (liberalismo igualitário, embora ele não o diga
expressamente) expressa nesses conceitos fundamentais (procedimento e autonomia
individual) diz muito pouco sobre como pode ser garantido a todos os
integrantes de uma sociedade a realização da sua liberdade individual.
Segundo Honneth,
algumas premissas tomada como fatos naturais estão implícitas no liberalismo
igualitário influenciando, assim, formatação do procedimento de justificação
dos princípios de justiça:
A. A pressuposição de que os atores sociais para realizar suas metas individuais,
seus planos de vida, dependem
essencialmente dos meios para
tal. Meios aqui como instrumentos, bens, objetos capazes de proporcionar a
realização dos planos de vida.
B. Um conceito
individualista de liberdade subjetiva: segundo o qual o exercício da
liberdade individual tem de depender cada vez menos da interação com os demais
participantes da sociedade, ou, pelo menos, ser cada vez menos restringido pela
ação dos demais participantes da sociedade.
No entendimento de
Honneth esses dois posicionamentos são incapazes ou não representam a melhor
forma de conceber a justiça social. Antes de problematizar os pontos acima,
Honneth propõe:
1. Analisar o que mudaria na deliberação
fictícia ou real se os participantes desejassem guiar-se por um conceito de
liberdade individual que não fosse individualista mas comunicativo?
2. Que princípios de justiça poderiam
resultar dessa remodelagem?
De maneira clara
Honneth enuncia a tese que pretende defender à luz desses dois
questionamentos,
"(...) a
suposição de que nesta modificação da situação inicial mudaria a concepção
prevalecente de justiça social não apenas em alguns detalhes, mas, sim, em sua
composição inteira: as pessoas deliberantes calculariam suas futuras
oportunidades de vida não
dentro do marco dos espaços disponíveis individualmente, mas as mediriam pela
qualidade das relações sociais a esperar; por consequência, sua ideia de
justiça social se transladaria do nível dos bens garantidores da liberdade até
o nível das mutualidades vinculantes." (grifo nosso, p. 227).
Podemos então
notar que para Honneth, o individualismo metodológico é insuficiente. Porém,
não a autonomia individual. A justiça social deve preocupar-se antes com a
qualidade das relações sociais do que com a distribuição de bens para a
realização dos planos de vida. Honneth não está dizendo que o acesso aos bens
ou uma distribuição igualitária de bens não é objeto da justiça. Pelo exposto
até aqui, ele está apenas se perguntando se o objeto da justiça social não
deveria ser a qualidade das relações sociais e não apenas uma distribuição de
bens para a realização instrumental dos planos de vida.
Para dar
sustentação ao seu argumento, Honneth estabelece as seguintes etapas:
1. Retomando Hegel,
traça um esboço daquelas que seriam as instituições que se ligam mais a um
conceito intersubjetivo de liberdade individual.
2. Exposição das
consquencias no âmbito da fundamentação quando se parte de uma conceito
comunicativo, intersubjetivista, de liberdade no lugar de um individualista.
3. Demonstrar em
que sentido a concepção de justiça que nós temos seria diferente se fosse
concebida não como uma facilitadora de uma forma individualista de liberdade,
mas de uma forma comunicativa de liberdade. Dessa feita, pretende apontar as
implicações na mudança de paradigma: da distribuição igualitária de bens para o
reforço da mutualidades.
4. Apontar as
consquencias que resulta da mudança de paradigma: a proposta de como
compreender que para atender o critério
de que o justo é aquilo que beneficia no mesmo grau de liberdade
comunicativa dos sujeitos necessário se faz uma pluralização de nossos
princípios de justiça, porque estes tenderão a corresponder as particularidades
das respectivas relações de comunicação. (grifo
nosso).
No que segue
tentaremos sintetizar os argumentos de Honneth em cada uma das etapas acima.
Para (1) - Crítica
da liberdade subjetiva individualista a partir do reconhecimento como elementos
intersubjetivo fundador da liberdade.
A modernidade
entendeu que para realizar as exigências da justiça é necessário, num ambiente
de pluralidade de metas de vida, permitir ao individuo o máximo de
possibilidades de realização de suas metas. Assim, a primeira conclusão
normativa foi a de que a liberdade pessoal deve ser media pelo grau de não
impedimento da ação de um sujeito na realização de suas metas de vida: "as
margens de ação que o ator dispõe para guiar-se por suas preferências são tanto
maiores quanto menores forem os impedimentos e restrições que os outros
indivíduos venham a lhe impor" (p. 229).
Embora Honneth não
diga claramente nessa etapa, a consequencia desse entendimento normativo é
fixar, com a ajuda do direito, as margens garantidas pelo Estado em que nem
este, nem os demais sujeitos, podem violar no que tange às preferências e metas
individuais. Assim, a primeira preocupação das teorias da justiça passa a ser a
fixação dos direitos que cada um dos indivíduos tem para poder exercer livre de
impedimentos sua liberdade subjetiva individualista.
Todavia nessa
visão normativa há um componente excedente de significado trazido
à tona por Honneth como uma estrutura implícita à pressuposição normativa do
individualismo acima exposto: nessa visão o indivíduo é "exposto como
independente de suas contrapartes de interação na realização de sua
liberdade" (p.229). Embora não seja automaticamente solipcisita, Honneth argumenta
que nessa visão predominou o entendimento de que as vinculações empíricas são,
em geral, impedimentos à liberdade.
A partir do
conceito individualista de autonomia, as teorias da justiça passam a assumir
que:
a. a criação de
condições sociais justas permitirá a realização dos planos de vida de cada um
dos indivíduos independentemente dos demais;
b. a ideia de que
a quantidade de bens aumenta a liberdade individual, levando ao isolamento
conceitual do sujeito individual.
c. a ideia de que comunidades
não eleitas representam uma ameaça ao indivíduo.
Honneth passa a
fazer uma crítica dessas pressuposições a partir de Hegel. A autonomia
individual é importante sim. Porém, a ideia de que a liberdade é uma margem de
ação discricionária, em que o individuo pode se mover sem impedimentos,
"livremente" é uma abstração que encobre o verdadeiro fundamento da
liberdade, uma forma de comunicação intersubjetiva. As margens de liberdade não
são determinadas por uma justa distribuição de liberdades subjetivas, mas por
uma circunstância de reconhecimento entre sujeitos que se consideram livres e
iguais.
No fundamento das
liberdades subjetivas não está uma calibração de direitos feita para
possibilitar a ação independente de restrição por parte dos outro, mas uma
interação entre dois ou mais sujeitos que se reconhecem como livres e iguais. O
direito, ao contrário de suas tentativas de fundamentação abstrata, revela por
fundamento um carácter relacional e intersubjetivo. As liberdades que ele
expressa são fruto de uma forma de comunicação intersubjetiva humana fundada no
reconhecimento recíproco.
O conceito de
reconhecimento passa a ser a chave para a critica da autonomia fundada no
individualismo em que "realizar a liberdade significa conseguir um aumento
do poder de ação ao incrementar-se o conhecimento das faculdades e necessidades
próprias mediante a confirmação por parte do outro" (p. 231).
As relações
intersubjetivas não representam um obstáculo para a realização da liberdade
individual, mas, sim, uma condição da liberdade subjetiva: "o individuo é
capaz de realizar a autonomia apenas na medida em que mantenha relação com
outros sujeitos, os quais por sua vez possibilitam um reconhecimento recíproco
de sua personalidade" (p.231).
Aclarando que o
fundamento dos direitos dos indivíduos é o reconhecimento duas críticas podem
ser feitas:
1. A própria
definição dos direitos individuais é dependente da rede de interações
intersubjetivas de reconhecimento recíproco.
2. Os direitos
jurídicos são apenas uma parte desse reconhecimento que se estabelece no âmbito
social para muito mais do que as relações jurídicas entre os indivíduos e
indivíduos e Estado. Ou seja, existem outras formas de mutualidades
vinculantes.
Para (2) -
Crítica do procedimento de fundamentação baseado no contratualismo.
Na base das
teorias contratualista incide a crítica de (1) qual seja: conceber o individuo
participante do contrato como um indivíduo isolado. Honneth nessa parte retoma
Hegel no sentido de demonstrar que as teorias contratualistas contradizem
nossas intuições básicas quando olhamos para as pressupostas coordenadas da
situação inicial de deliberação.
Honneth argumenta
que o experimento mental de uma deliberação semelhante a um contrato social só
pode cumprir com os seus objetivos normativos se para todos os interessados for
previsto uma situação de imparcialidade. Essa situação de imparcialidade é
garantida pelo bloqueio posto pelo teórico aos sujeitos que passam a não saber
em que posição poderão se encontrar na sociedade o que implica o
desconhecimento dos talentos e posições presentes e futuras que poderão ter na
elaboração e aplicação do contrato. Com base nisso eles devem exercitar sua
racionalidade instrumental por meio de um cálculo de prudência onde escolhem os
princípios de justiça que serão mais vantajosos para realização de seus planos
de vida.
Na percepção de
Honneth, a partir do reconhecimento não se pode falar nessa situação inicial de
imparcialidade, uma vez que os participantes da situação ideal de deliberação
tem de ter um conhecimento elementar de suas necessidades de reconhecimento
para poderem ser, inclusive, qualificados como seres humanos.
Ainda que o
procedimento pretenda uma total neutralidade, ele não pode ignorar, afirma
Honneth, os pressupostos do que se deve considerar como uma característica
definidora da pessoa humana: o reconhecimento.
Honneth entende
que, ao contrário do individualismo liberal, os sujeitos que adentram a
situação de deliberação não podem abrir mão do reconhecimento como elemento
antropológico fundamental para as demais interações. Ele está afirmando que, ao
contrário do que liberal diria, o individuo não está plenamente constituído
como um átomo isolado dos demais participantes. Sendo assim, antes de se
perguntar sobre quais direitos pretende usufruir ou quais bens pretende ter
acesso ele se indaga sobre as possibilidades de ser reconhecido pelo os demais
membros da interação. Ao nosso ver, Honneth está dizendo que existem perguntais
ainda mais fundamentais do ponto de vista antropológico que mesmo a máxima
neutralidade do experimento mental da situação ideal de deliberação não pode
anular.
De posso dessas
indagações, há consequencias sobre que princípios de justiça seriam escolhidos
pelas partes. Ao invés de optarem pela distribuição de direitos e bens as
partes iriam antes de mais nada privilegiar a proteção às formas de
reconhecimento que entendem necessárias socialmente. Para Honneth a pretensão
de reconhecimento recíproco está tão ancorada em nossa praxis social que pouco
plausível não fazê-la necessária também nos procedimentos garantidores da
justiça na situação ideal de deliberação.
Em nosso
entendimento, a crítica que Honneth aponta em relação ao procedimento de
fundamentação não é, em si, uma crítica ao device justificatório,
mas, antes, a uma parte dele que é a pretensão de imparcialidade que ele afirma
ter. Todavia, até mesmo em relação a este aspecto, ele não está negando que o
procedimento foi imparcial, mas que os resultados desse device são remodelados a medida em que os
participantes sabem que é mais fundamental do que distribuir bens ou direitos
garantir o reconhecimento recíproco.
É como se Honneth
estivesse apenas dizendo que ao celebrar um contrato, antes de peguntarmos
sobre o objeto do contrato, temos de nos perguntar sobre a capacidade das
partes em contratar. Quando fazemos isso, iremos ver que é importante garantir
iguais condições de contratação. Essas iguais condições de contratação envolvem
uma série de capacidades e necessidades que são anteriores ao próprio contrato
e estão inseridas no âmbito de uma série de práticas sociais de reconhecimento.
Para (3) - Qual
é o objeto da justiça? As relações de comunicativas de reconhecimento.
Uma vez que a
experiência do reconhecimento é o elemento fundador da liberdade, é preciso
assegurá-la, pois: "a liberdade pessoal dos indivíduos é assegurada e
fomentada na medida em que este dispõe de esferas comunicativas de
auto-realização nas quais podem alcançar um maior poder de ação mediante
reconhecimento recíproco".
De maneira sucinta
Honneth argumenta que o reconhecimento é uma categoria central para entender e
realizar a justiça. Ele está presente (p. 236):
(a) Nas
experiências históricas e sociológicas. Genocídio, Massacres étnicos, testemunho dos movimentos sociais.
(b) Na moral. Por meio do sentimento de injustiça ao não
ser reconhecido em suas capacidades e necessidades.
(c) No
desenvolvimento psicológico e na psicanálise, que veem no reconhecimento um elemento
fundamental da aquisição de autonomia individual.
De posse desse
diagnóstico que sabemos estar expresso ao longo de outras obras (A luta pelo
reconhecimento, principalmente), Honneth propõe uma mudança de paradigma para
as teorias da justiça: ao
invés de centrar nas liberdades subjetivas de ação, o objeto da justiça deve
ser as esferas de comunicação sociais (p.236). Isto é, as esferas de
reconhecimento recíproco.
A partir desse
paradigma, as liberdades jurídicas são apenas uma forma de reconhecimento
dentre outras. Não representam uma forma de agir discricionário, mas, antes,
são resultado da interação recíproca entre sujeitos que se reconhecem como
livres e iguais.
Com isso se vê
que:
"sobe a
perspectiva em que devem se garantir a autonomia individual de todos os
integrantes da sociedade por igual, a estrutura e qualidade das relações
sociais de reconhecimento constituem o campo de aplicação central dos
princípios da justiça" (p. 237).
Entretanto,
Honneth chama atenção para o fato de que tal pressuposição normativa exige que
se esclareça a qualidade, natureza, status,
de tais relações de reconhecimento. As relações de reconhecimento não são meras
interações arbitrárias ou contingentes entre os indivíduos. Honneth entende que
se deve buscar no reconhecimento
"um padrão de
comunicação com relativa estabilidade que facilite aos participantes de maneira
recíproca uma experiência de reconhecimento de determinadas capacidades e
necessidades. Este padrão só é possível se os participantes se orientam em
comum por normas morais cuja validade os estimula a respeitar e fomentar no
respectivo outro os correspondentes traços de personalidade" (p. 237)
Na proposta de
Honneth as relações de reconhecimento são formas de reciprocidade vinculantes nas quais os
deveres perderam seu caráter restritivo proibitivo para converter-se em
elementos naturais de uma práxis de ação exercitada habitualmente (p.237).
Confesso que
entendo essa proposição como obscura e ambígua. Posso ver que Honneth está
tentando mapear as estruturas mais profundas das relações sociais que estão
inscritas nas prática cotidiana da interação recíproca proporcionada pelo
reconhecimento. Mas não está clara como se dá essa passagem dos deveres
negativos para os deveres constitutivos das relações de reconhecimento. Também
não está claro como se olha para a praxis social em sua identificação. Como
entender que ela as práticas consolidadas de reconhecimento não podem ser elas
mesmas frutos de práticas de dominação não tematizadas que acabam por ser
incorporadas num trato comunicativo distorcido?
Mas para além
dessas dúvidas que podem ser esclarecidas com a leitura de outros textos,
continuemos.
Honneth dá como
exemplo desse tipo de relação a amizade. Segundo ele, uma relação de amizade
revela o exercício comum de uma prática recíproca de reconhecimento. A amizade
é mediada por normas morais que estimulam a ambos a promover o bem estar do
respectivo outro. A Amizade é forma de mutualidade
vinculante que proporciona uma experiência recíproca de reconhecimento porque
os amigos podem ver supridas suas necessidades e desejos de uma maneira tal que
a nível individual lhes prove um nível maior de poder de ação (p. 238).
Aqui faço outra observação, esse ponto é problemático ou merece
ser problematizado: 1. Noção de amizade aristotélica? 2. Quais são os desejos
necessidades que se veem supridos reciprocamente? 3.Tal satisfação se dá apenas
mediante o reconhecimento? 4. O que significa ampliar no nível individual o
poder de ação?
Em conclusão a este ponto, Honneth levanta como tais relações de
reconhecimento podem ser objetos da teoria da justiça. Contemporaneamente
dirigimos nossas demandas de justiça para o Estado. No âmbito do Estado
democrático de direito, sua tarefa pode ser, ao invés apenas do asseguramento
da igual liberdade de ação subjetiva, a proteção e fomento de relações
intersubjetivas das mutualidades vinculantes. Isto é, o fomento e proteção das
relações de reconhecimento recíproco.
Para (4) - O pluralismo interdependente do reconhecimento.
Honneth sugere ficarmos apenas com a metodologia hegeliana,
abandonando os aspectos metafísicos da filosofia do espírito. Honneth entende
como importante para a sua teoria a proposta de conectar as esferas de
reconhecimento que podem ser compreendidas como constitutivas para as formas
atuais de integração social.
O primeiro passo nesse intento é reconhecer uma certa concepção de
progresso. Olhando para Filosofia do
Direito de Hegel, Honneth extrai como ideia fundamental:
“a essência do que constitui a autonomia do indivíduo não é, por
si mesma, algo que está dado de uma vez por todas, mas que se encontra sujeita
as mudanças históricas; pois entre os graus
de diferenciação da sociedade e a liberdade individual existe uma
relação de condicionamento, na medida da divisão em âmbitos de funções sociais
aumentam também as dimensões em que o individuo aprende a perceber em si mesmo
as dimensões da autorrealização”.
Com isso Honneth quer dizer que existem esferas distintas de
reconhecimento recíproco que são determinadas pelo grau de complexidade em que
se encontra a sociedade em que vive o indivíduo.
Dessa feita, uma teoria da justiça deveria garantir a existência
daquelas relações de reconhecimento que permitem aos indivíduos alcançar, nas
respectivas condições sociais dadas, um máximo de autonomia individual na forma
de mutualidades vinculantes (p. 240).
Tal formulação, apesar suas pretensões não idealistas, não
prescinde, segundo Honneth, da ideia de progresso, pois:
“porque as relações de reconhecimento duradouras e, por assim
dizer, institucionalizadas, que impregnam a ordem social atual, não podem
compreender-se justificadamente como magnitudes de referencia de uma teoria
reformulada da justiça senão se consideradas como superiores em termos morais às
formas de reconhecimento anteriores”.
Assim, as forma de reconhecimento institucionalizadas para Honneth
são superiores às formas de reconhecimento não institucionalizadas. Mas não
está claro o que é uma forma de reconhecimento institucionalizada. O que é o
institucionalizado? Uma prática social estável e contínua? A migração dessas
práticas para as instituições?
Honneth diz que sem esse sentido de progresso sua teoria cometeria
dois equívocos: 1. Haveria o risco de converter a respectiva ordem de
reconhecimento em um fato moral; 2. A investigação das esferas comunicativas
que devem ser objeto da teoria da justiça se restringiria a ordem social
existente de maneira meramente empírica.
Com isso temos o seguinte, ao meu ver: Honneth quer acentuar que o
objeto da teoria da justiça segundo o paradigma do reconhecimento são as
estruturas normativas fundamentais necessárias à autorrealização do indivíduo.
Tais estruturas devem ser objeto da teoria da justiça mesmo que não estejam
presentes em um dado contexto concreto. Isso porque não se trata apenas de um
fomento ou proteção daqueles elementos meramente consolidados de maneira
positiva numa dada comunidade.
Esclareço. Não é objeto da teoria da justiça, nesse caso, a mera
justificação da realidade fática estabelecida positivamente do ponto de visa
sociológico. As estruturas do reconhecimento devem ser fomentadas e protegidas
mesmo quando não presentes em uma dada comunidade específica. Esse é o elemento
potencialmente crítico dela. Se as estruturas do reconhecimento fossem apenas
aquelas que são dadas em uma dada comunidade, haveria apenas a justificação dos
contextos locais. Agora, Honneth só pode manter esse ponto de vista crítico
porque seu mepeamento das estruturas fundamentais do reconhecimento são
fortemente apoiadas numa antropologia universal que vê uma série de elementos necessários
à realização de uma vida boa, assim como é reconstruída à luz dos elementos
históricos presentes no desenvolvimento da modernidade.
Por outro lado, acho que seria melhor afirmar que sua teoria não
pode prescindir de um caráter
dinâmico/imanente. Entendo que Honneth quer dizer que as estruturas do
reconhecimento podem ser mudadas ou forçadas a mudar em conformidade com as
novas exigências para a realização da liberdade individual formatadas pelas
novas condições sociais. Esse seria o lado dinâmico que uma teoria do
reconhecimento não poderia deixar de ter. Pelo aspecto da imanência, com essa
passagem Honneth está nos dizendo que as rastrear aquelas que seriam as
estruturas básicas do reconhecimento a serem reconhecidas por uma teoria da
justiça implica em afirmar que é necessário reconstruir quais seriam as
pressuposições normativas mais elementares das estruturas básicas do
reconhecimento mesmo quando estas não estão positivamente institucionalizadas
numa sociedade.
Por último, reconhecer as institucionalizadas como superiores se
liga duplamente as estas duas características. Pelo lado da dinâmica o estágio
atual é um estágio de superação do anterior, mas que pode ser, imanentemente
superado por outro estágio ou, melhor do que superação, conduzir a uma outra
necessidade de reconhecimento. Essa superioridade do estágio atual é, no fim,
um ponto de vista em que se pode ver o desenvolvimento das estruturas básicas
do reconhecimento.
Aproximando-se da conclusão, Honneth formula sua concepção de
justiça:
1. Existem pelos menos três esferas de
reconhecimento (mutualidades): esfera da amizade e amor; esfera do direito;
esfera do trabalho/estima social.
2. Uma teoria da justiça tem de levar em
conta as normatividades internas de cada esfera, sendo uma facilitadora da
participação social em tais âmbitos.
3. Para contemplar todos estes âmbitos não
basta apenas um princípio igualitário distributivo.
4. O princípio que emerge é um que estabelece
que a autonomia individual deve ser realizada nos três âmbitos sendo cada um
deles um facilitador interdependente do outro.
5. Honneth propõe que em cada âmbito haja um
princípio que os três, pelo menos, sejam unidas naquilo que for necessário à
ampliação da autonomia individual compreendida intersubjetivamente por meio do
reconhecimento.
Por último assinala que não se trata apenas de preservar a
autonomia de cada uma das esferas, protegendo-as da ingerência da outra. Isso
seria apenas uma tarefa conservadora em sua visão.
Antes essa concepção deve sempre ser guiada por um sentido
reformista que olha para um futuro que pode ser realizado com o melhoramento
das condições atuais.
Isso porque todos os princípios possíveis de serem estabelecidos
possuem tanto um (1) excedente de
validade, no meu entendimento ver uma capacidade de projetar idealidades
capazes de serem apropriadas pelos indivíduos em seus contextos, (2) excedentes semânticos, fundamentando
cada vez mais as exigências por justiça em nome a autonomia individual.
Quanto a este último aspecto, arrisco a dizer, trata-se da tensão
entre faticidade e validade exposta por Habermas agora pincelada no paradigma
do reconhecimento.
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