quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Iniciação à Análise Econômica do Direito.


Richard Posner e a Economia da Justiça.
Notas sobre o Prefácio à edição brasileira, Prefácio (1983) e Prefacio à 1ª Edição.

Nesse post busco resumir os pontos apresentados por Posner na obra Economia da Justiça. Tenho interesse em continuar os estudos sobre Economics and Law (http://plato.stanford.edu/entries/legal-econanalysis/). Quero iniciar uma investigação criteriosa das posições de Posner para saber se estamos nos apropriando corretamente dessa corrente do pensamento jurídico anglofônico. 

Para isso quero primeiro estudar me apropriando dos elementos conceituais e argumentativos de Posner. Sigo o conselho de Rawls nesse estudo. Ao estudar os grandes expoentes da filosofia política (Hobbes, Locke, Mill, etc) Rawls observou que ao estudar um autor nós temos de fazer primeiro um esforço para entender o que eles dizem e interpretá-los da melhor maneira possível permitida por suas teorias (Lectures on the History of Political Philosophy, p. 104). Minha intenção então é esta. Primeiro me aproximar com o rigor necessário de quem assume a teoria como sua. Num segundo momento estudar de maneira imanente os limites e respostas da teoria. As vezes estes dois pontos poderão ser intercalados.  


I - Prefácio à edição brasileira.

Posner incia admitindo que o contexto contemporâneo do direito, de maneira mais acentuada na common law, mas também uma cada vez mais na civil law, há uma tendencia pela adoção de uma concepção não positivista do papel do Judiciário e da interpretação constitucional. A textura aberta dos textos legislativos conduz ao exercício da discricionariedade judicial.

Como os juízes devem decidir? Qual postura tomar diante da lei? Como interpretar o texto legal? Essas são perguntas que também preocupam Posner. 

Sua proposta é apresenta uma terceira via entre o que ele chama positivismo jurídico estrito (http://plato.stanford.edu/entries/legal-positivism/) e a livre interpretação constitucional. Aqui Posner não faz referência à que teorias e autores poderiam ser inseridos nessas duas correntes do pensamento jurídico. Porém, sabemos que no mundo anglofônico Hart e seus alunos representariam o primeiro espectro. Talvez o Realismo Jurídico e o Critical Legal Studies a segunda. Preciso verificar isso para poder situar o estudo de Posner melhor. 

A terceira via de Posner é apresentar a Teoria Econômica. Posner se posiciona pela manutenção da discricionariedade da atuação do judiciário e propõe que este espaço de livre atuação seja conduzido pelos ditames da teoria econômica aplicada ao direito (p.XII).

Para defender sua proposta Posner se coloca diante da indagação sobre a possibilidade da teoria econômica ser aplicável ao direito. A linguagem da economia e a linguagem do direito podem ser relacionadas? A economia se aplica apenas aos fenômenos econômicos ou ela pode ser aplicada à outras áreas da interação social?

Posner recorre à Jeremy Bentham (http://plato.stanford.edu/entries/utilitarianism-history/) para ilustrar que a teoria econômica não se aplica exclusivamente aos fenômenos econômicos. Antes de ser um ferramental de análise do estritamente econômico a economia é uma teoria da escolha racional. Ela pode ser compreendida como o estudo de como os indivíduos moldam seu comportamento diante da influência de incentivos e restrições que nem sempre têm uma dimensão monetária. 

Assim, todo e qualquer ambiente pode oferecer ganhos e perdas que devem ser avaliadas pelos sujeitos à luz da utilidade e desutilidade da tomada de decisão. Posner fala de uma racionalidade que é pragmática, pois leva em consideração os interesses dos indivíduos num dado contexto concreto e normativa no sentido de que a tomada de decisão segue uma regra específica: é racional agir com vistas ao maior ganho de utilidade e irracional agir para obter um ganho menor. Posner está assumindo, poderíamos indagar, uma racionalidade utilitarista? 

Após Bentham, a retomada da economia como teoria da escolha racional é feita pela Escola de Chicago (Milton Friedman, George Stigler, Ronald Coase, Henry Simmons e Gary Becker Esses estudiosos lançaram os fundamentos da análise econômica do direito. Que tipo de formulações sobre o direito esses teóricos produziram. Posner nos dá os seguinte exemplos:

A. Com Bentham, Posner dá o exemplo de um indivíduo que deseja (incentivo) matar seu cônjuge. Quando resolver tomar essa decisão, entende Posner, o sujeito avalia que pode sofrer a pena de restrição à sua liberdade. Diante dessa balança o sujeito sempre avalia sobre a utilidade do crime e a desutilidade da punição. 

B. Com a Escola de Chicago, Posner dá um exemplo sobre responsabilidade civil: o motorista que deseja economizar tempo (incentivo) conduzindo seu veículo com excesso de velocidade se defronta com o medo de ferir-se num acidente ou com a possibilidade de ser condenado em juízo por imprudência tendo de pagar uma indenização (restrições), por exemplo. Para a Análise Econômica a responsabilidade civil deve considerar a imprudência como a não tomada de precauções cujo custo seria justificado, ou seja, a não toma de precauções que poderiam evitar o acidente a um custo menor que o próprio acidente.

Não há como antecipar agora uma reflexão mais profunda sobre o que Posner está propondo. Por enquanto devemos anotar que ele está lidando em ambos exemplos com uma incentivos e restrições que apelam para os sentimentos ou elementos psicológicos dos agentes. Em ambos os exemplos podemos notar que está tratando de desejos (incentivos) e medos (restrições). No final do segundo exemplo, apenas, podemos destacar que o julgamento sobre a racionalidade da ação (tomar precauções que sejam mais baratas do que as perdas do acidente) não se liga aos aspectos psicológicos. 

Então, preliminarmente, indagamos o seguinte: num primeiro momento o comportamento dos indivíduos está inserido no quadro de desejos e restrições que se apresentam numa dada situação concreta, porém, a ação racional é aquela que procura o menor custo ou maximização dos ganhos econômicos que não está ligada às paixões do individuo porque o racional não é, como no segundo exemplo, aquilo que satisfaz os desejos do sujeito, mas o que diminui suas perdas econômicas estritamente consideradas, ou seja, que lhes causam menor custo.

A partir dessa perspectiva, Posner batiza sua proposta teórica para a discricionariedade da atuação judicial com o nome de "maximização da riqueza". Seu intento é a análise do custo-benefício como forma de orientação da decisão judicial (p. XIV e XV).

Novamente, seguindo a ideia de que a economia não analisa apenas fenômenos estritamente econômicos, Posner quer demarcar sua posição afirmando que não se trata apenas de uma teoria que procura apontar qualquer aumento da receita pecuniária maximizando a riqueza como boa. A essência da abordagem reside em considerar todos custos e benefícios (pecuniários ou não) como forma de decidir se uma determinada norma (jurídica)  como prática ou eficiente. Para isso ele propõe que todos estes custos (pecuniários ou não) sejam traduzidos em pecúnia em uma unidade comum, o dinheiro.

Até aqui podemos ver a seguinte estrutura:

1. A economia não se aplica apenas à fenômenos econômicos. Ela trata da escolha racional dos indivíduos que inclui fenômenos econômicos e fenômenos não econômicos. 
2. Racionalidade é agir de forma a ampliar os ganhos e diminuir os custos.
3. Para avaliar a racionalidade de uma norma jurídica devemos avaliar todos os possíveis ganhos e perdas que ela pode produzir.
4. Nessa avaliação temos de levar em consideração que existem ganhos e custos que não são estritamente econômicos. Assim, para poder fazer a avaliação racional temos de traduzir o não pecuniário em pecuniário. Unindo todos os elementos nu código comum: o dinheiro.

Ficam então as seguintes observações: 

(A) como traduzir o que não é pecuniário (desejos e medos) em pecuniário? Como saber o valor pecuniário do medo de levar uma multa? Qual é dose necessária de não incentivo ou estímulo econômico suficiente para coordenar a ação?

(B) O Dinheiro é o código capaz de traduzir esses elementos que não são estritamente econômicos para um campo comum em que a racionalidade utilitária pode decidir?

 Essas indagações conduzem ainda uma terceira:

(C) Ainda temos de verificar qual é a prova antropológica ou sociológica que Posner dá para considerar que em todas as situações ou no direito a racionalidade utilitária é a que ocorre ou a que melhor corresponde às nossas intuições básicas acerca da ação ou da norma jurídica.

Posner entende que a economia possui um ferramental capaz de pecuniarizar os custos e benefícios não pecuniários.  Podemos pensar na econometria, pesquisas empíricas, etc. Posner não diz agora quais são esses estudos. Apenas afirma que a análise econômica então recomendaria essas técnicas com vistas a possibilitar a análise do custo benefício de condutas regulamentadas pela lei. 

Com base nesses elementos, os juízes deveriam, no âmbito da discricionariedade,  utilizar amplamente das margens de decisão que possuem para aplicar a análise econômica e maximizar os resultados eficientes, entendidos como resultados que evitam desperdício social. Também fica, preliminarmente, a questão sobre o que se pode entender por desperdício social. 

Na continuidade, Posner defende que a análise econômica é uma metodologia aplicável à todas as áreas do direito, não apenas ao direito privado, mas, também, ao direito público, sobretudo o constitucional. Questões constitucionais como o tema da liberdade de expressão ou proteção da privacidade na persecução penal podem ser avaliadas com a análise econômica. Seriam questões envolvendo problemas de regulamentação de mercado ou análise de custos e benefícios no processo penal, respectivamente.

As margens de discricionariedade presentes tanto no texto constitucional quanto nas leis infraconstitucionais reguladoras podem ser disciplinas, defende Posner, com a análise econômica do direito. Posner é enfático: quando diante de uma indeterminação interpretativa gerada pela textura aberta das normas, o juiz deve buscar sanar as lacunas, vácuo, etc., com a análise econômica. 

Nesse aspecto, temos de verificar o que justifica essa abordagem. Por que aplicar os pressupostos da análise econômica na discricionariedade é melhor do que outras posições? Por que decisões que maximizem ganhos e reduzam perdas, mesmo no sentido amplo defendido por Posner podem ser consideradas melhores do que outras que não trabalham sobre esse espectro teórico?

Além dos pontos acima, Posner sustenta que a análise econômica não preconiza apenas um uso normativo. A análise econômica seria o modo de decidir que os juízes mais escolhem quando diante de um espaço atuação discricionário. Nos casos em que o magistrado encontra-se com a tarefa de determinar o conteúdo legal da norma de textura aberta, especialmente nos países de common law, os juízes se deixam guiar pelo entendimento intuitivo da economia do litígio.

Nos EUA as decisões do famoso juiz americano Learned Hand sobre a responsabilidade civil culposa indicariam a tese de Posner. Aqui Posner avança uma tese de que quando queremos descrever como atuam os juízes na construção do sistema legal esta atuação é fortemente determinada pelas intuições econômicas cuja racionalidade Posner defendeu acima. Em outras palavras, quando estudado apenas do ponto de vista explicativo empírico, o Direito possuiria uma natureza econômica. Assim, a análise econômica não seria apenas uma proposta teórica sobre a melhor forma de decidir, mas, também, a forma pela qual a prática da decisão judicial, quando não tematizada ou influenciada por outras teorias, ocorreria:

"Seria um exagero dizer que a economia é a própria essência vital do direito, mesmo no common law anglo-americano. Mas trata-se de um exagero sugestivo, que aponta para uma afinidade profunda, embora incompleta, entre o processo legal e a teoria das escolhas racionais" (p. XVI)

   
Ao final Posner levanta questões sobre a possibilidade da aplicação da análise econômica no Brasil. A primeira se refere ao processo de formação dos juízes. Já a segunda ao contexto e especificidades que países em desenvolvimento apresentam e como a análise econômica precisa ser adaptada.

A análise econômica certamente encontra barreiras e obstáculos nos países de civil law dada a formação metodologicamente conservadora de juízes, advogados e demais profissionais do direito. Essa formação conservadora se expressa na desconfiança que temos do uso político da discricionariedade  e na recusa da influência de outras disciplinas no estudo do direito. Por isso, recomenda Posner, a introdução da análise econômica deve ficar a cargo das universidades e faculdades de direito. 

Por sua vez, a análise econômica em países em desenvolvimento deve levar em consideração o contexto de sua aplicação. Como perspectiva teórica nascida nos países desenvolvidos, a análise econômica preconiza um pano de fundo pacificado em torno de temas como a importância dos direitos de propriedade, liberdade contratual, independência do judiciário, da discricionariedade judicial bem orientada e das limitações do poder do Estado. Aqui é quase como Posner estivesse dizendo: a análise econômica se desenvolveu em economias de mercado sólidas e politicamente liberais. 

Por isso, a análise econômica tem de ser adequada ao contexto em que estas "bases" regulatórias ainda estão em construção. Todavia, para Posner, isso apenas confirma a importância e abrangência da análise econômica e não a sua inviabilidade de ser aplicada no nosso país.

3 comentários:

  1. Davi,

    Fico contente que você esteja avançando na leitura do livro do Posner e mais contente ainda que tenha decidido dividir conosco suas resenhas e comentários aos capítulos. Isso certamente valoriza o papel do debate com outros na construção da própria interpretação e, de quebra, reaviva o espaço do blog.

    Pelo que entendi, Posner entende a racionalidade em termos de maximização dos ganhos e minimização das perdas. Trata-se, pois, de uma concepção econômica. Como, pelo menos no que você expôs até agora, não há um "bem" único que seria o objeto da maximização pretendida (o dinheiro, pelo que entendi, é apenas uma unidade de conversão e mensuração, mas não o bem pretendido) e não interveio a preocupação com o bem do "maior número de indivíduos", ainda não chamaria esta concepção de utilitarista. A referência a Bentham como ancestral é sugestiva, mas ainda não basta para qualificar a teoria como utilitarista - não, repito, por enquanto.

    O misto de teoria normativa que visa reformar o modo de pensar e fazer o direito com teoria explicativa que visa tornar inteligível o padrão de decisão que os juristas já usam em seus raciocínios me confunde um pouco. Posner parece querer nos convencer de que no fundo somos todos racionais econômicos, ao mesmo tempo em que gostaria que passássemos a ser. Como isso deve ser interpretado? Em nossos raciocínios sobre direitos, deveres, justiça, equidade, devido processo e soberania popular já estão em jogo, sem percebermos, os padrões da racionalidade econômica? Se sim, esta modalidade enviesada de discurso econômico - em que aplicamos a racionalidade econômica sem percebermos, falando não de maximização, mas de justiça, direitos, soberania etc. - é a melhor maneira de aplicar a racionalidade econômica? A linguagem da justiça, dos direitos, da soberania etc. funciona como direcionador e limitador conveniente da racionalidade econômica? Ou se trata de um invólucro limitador e inconveniente da qual seria melhor se a libertássemos e a aplicássemos de modo mais direto? A racionalidade da maximização deve ser aplicada através da linguagem da justiça, dos direitos, da soberania etc., ou em lugar dela?

    (cont.)

    ResponderExcluir
  2. (cont.)

    Outra coisa difícil de não notar é como as soluções de problemas concretos usadas como exemplo de soluções jurídicas satisfatórias por Posner (balanço entre desejo de matar e medo de ser punido na decisão de não matar seu cônjuge, balanço entre desejo de diminuir o tempo de viagem e medo de um acidente ou de uma indenização na decisão de não dirigir em alta velocidade etc.) se referem a situações em que uma das alternativas (matar outrem num caso, arriscar-se a matar outrem no outro) é moralmente reprovável, mas a racionalidade econômica não intervém para explicar (como faria uma concepção utilitarista) como o custo-benefício social geral prova que tal alternativa é moralmente reprovável, mas, em vez disso, a considera da perspectiva do agente como moralmente neutra, uma alternativa aberta entre outras, e a pesa contra o efeito dissuasivo de uma restrição (pena, indenização) sobre a motivação do agente.

    Isso parece ser usado como explicação de como penas (no direito penal) e indenizações (no direito civil) são soluções econômicas ao problema das condutas que o direito quer evitar, porque se servem do balanço de incentivos e restrições para influenciar a ação. Faltou, contudo, Posner mostrar se é também a racionalidade econômica que pode demonstrar que matar e arriscar a vida de outrem são condutas que se deve evitar. Do contrário, a racionalidade econômica só interviria no desenho de estratégias de incentivos e restrições para estimular condutas que já foram previamente determinadas como desejáveis de algum outro modo. Para ser soberana como Posner parece concebê-la, a racionalidade econômica teria que ser capaz também de indicar quais condutas são desejáveis e por quê. E, nesta tarefa, ser capaz de mostrar que o ponto de vista do agente que visa à maximização de seus ganhos é capaz de captar as considerações e distinções morais com que nossa linguagem da justiça, dos direitos, da soberania etc. está estruturada. Como o ponto de vista da primeira pessoa do singular pode dar conta de respeito, solidariedade e cooperação sem fazer violência a nossas intuições morais mais básicas?

    Vamos ver se e como Posner responde a estas questões nos próximos capítulos.

    (Dá uma olhada na postagem e faz uma revisão cuidadosa da ortografia e da pontuação. Só o número de vezes em que "Posner" aparece "Ponser" já justificaria isto.)

    ResponderExcluir
  3. Obrigado pelos comentários André. Vamos avançar na leitura para poder responder. Também agradeço as observações quanto à redação. Escrevi um pouco apressadamente ontem à noite. Já fiz algumas revisões, outras eu não vou ver. Preciso que Suelen assuma o papel de revisora dos textos.

    ResponderExcluir