A DOUTRINA DA IGUALDADE MORAL DOS COMBATENTES TERIA FUNDAMENTOS CORRETOS?
Resumo da Posição de Jeff McMhan.
McMahan, Jeff. On the Moral Equality of Combatants. The Journal of Political Philosophy: Volume 14, Number 4, 2006, pp. 377-393.
Jeff McMahan é professor de Ética e Filosofia Política da Rutgers Univesity e atualmente está na Oxford University como White's Professor of Moral Philosophy. Seu trabalho é referência no campo, sobretudo seu livro Killing in War (2009). Para saber mais sobre seu trabalho conferir seu website, link abaixo:
http://jeffersonmcmahan.com/
http://jeffersonmcmahan.com/
Neste texto ele apresenta uma detalhada refutação contra os principais argumentos levantados pela doutrina da igualdade moral dos combatentes - DIMC. Tal concepção representa a posição ortodoxa na Teoria da Guerra Justa sendo possível encontrar referências suas desde a literatura, como em Henrique V de Shakespeare, até a filosofia medieval de Aquino. Contemporaneamente seus principais lastros são a filosofia da guerra de Michael Walzer (cf. Guerras Justas e Injustas: uma argumentação moral com exemplos históricos) e o Direito Internacional Público.
Sinteticamente a DIMC consiste na formulação normativa segundo a qual na guerra combatentes de ambos os lados em litígio não agem de maneira errada (de forma não permitida) quando combatem entre si, por consequência, não são passíveis de culpa e/ou responsabilização. Combatentes só poderiam ser culpados por crimes contra inocentes, no caso, civis, pois estes não impõem ameaça não perdendo seus direitos à vida e liberdade. Dessa feita, independentemente da justiça ou não da mesma, os combatentes são liable to be killed (passíveis de serem mortos) porque impõem uma ameaça recíproca uns aos outros, não havendo porque falar, então, de culpabilidade ou responsabilidade de um dos lados.
Jeff McMahan se posiciona contra a DIMC porque entende que uma "pessoa não pode perder seu direito de ser atacado quando está agindo em sua defesa. As pessoas não perdem seus direitos morais ao defender-se justificadamente a si mesmas ou a inocentes contra um ataque injusto" (p. 379). As pessoas perdem seus direitos quando agem de forma injustificada impondo ameaça a vida de outras. Dessa feita, um combatente que tem ao seu lado a justa causa não perde seu direito de não ser morto, pelo contrário, o mantém. Mesmo que um combatente injusto limite seu ataque a outros combatentes há violação aos direitos morais dos combatentes justos, estes, ainda assim, são inocentes e não passíveis de serem mortos. McMahan então pergunta: como poderia ser permitido matar pessoas inocentes como meios para realizar fins injustos?
Jeff McMahan se posiciona contra a DIMC porque entende que uma "pessoa não pode perder seu direito de ser atacado quando está agindo em sua defesa. As pessoas não perdem seus direitos morais ao defender-se justificadamente a si mesmas ou a inocentes contra um ataque injusto" (p. 379). As pessoas perdem seus direitos quando agem de forma injustificada impondo ameaça a vida de outras. Dessa feita, um combatente que tem ao seu lado a justa causa não perde seu direito de não ser morto, pelo contrário, o mantém. Mesmo que um combatente injusto limite seu ataque a outros combatentes há violação aos direitos morais dos combatentes justos, estes, ainda assim, são inocentes e não passíveis de serem mortos. McMahan então pergunta: como poderia ser permitido matar pessoas inocentes como meios para realizar fins injustos?
Acredito que a preocupação central de Jeff McMahan é atacar a ideia de que combatentes são apenas um instrumento da vontade política dos Estados. Os combatentes são indivíduos racionais e passíveis de deliberação, sendo fonte também de certificação moral. A vida deles está em jogo e eles não podem ser tratados como objetos para a consecução de fins políticos injustos. A DIMC então, compreendo a partir da leitura, seria errada porque:
(1) É incompatível com a realidade da guerra.
(2) Não leva em consideração o alcance dos efeitos da guerra sobre as comunidade ou pessoas como um todo, pois considera a permissibilidade de matar ou não em combate apenas entre aqueles que participam da guerra.
e, principalmente
(3) Trata os combatentes não como pessoas morais, mas como objetos para os fins da vontade política, seja ela justa ou não.
Dadas essas questões iniciais pontuadas em outros trabalhos de Jeff McMahan (cf. Just Cause for War, in Ethics and International Affairs, 19 (2005), 1-21; The Ethics of Killing in War, in Ethics 114, (2004), 693-733.) vamos resumir tanto os principais argumentos que defendem a DIMC quanto os argumentos contrários levantados por ele.
Em primeiro lugar o critério da ameaça não é suficiente para determinar a perda de direitos morais de não ser morto, uma vez que o common sense nos informa que nem em todos os casos em que eu ameaço alguém estou cometendo um ato injusto. Na autodefesa posso infligir uma ameaça para me proteger de um ataque injusto. O fato de ameaçar aquele que me ataca não faz com que eu perca meu direito de não ser morto, tampouco inocenta aqueles que me ameaçaram. Uma vez que o critério da ameaça é insuficiente, sustenta Jeff McMahan alguma argumentação adicional teria de ser oferecida para complementar e justificar a DIMC. Jeff McMahan parte para tais argumentos em detalhe.
I. Argumento do Consentimento.
Levantado por Michael Walzer sustenta que:
"A realidade moral da guerra pode ser resumida da seguinte forma: quando soldados lutam livremente, escolhendo seus inimigos e planejando suas próprias batalhas, sua guerra não é seu crime. Nos dois casos, a conduta militar é regida por normas; mas no primeiro as normas baseiam-se na reciprocidade e consentimento; no segundo, numa servidão compartilhada." (Guerras Justas e Injustas. Martins Fontes, 2003, p. 62).
Dois argumentos/modelos surgem:
(A) A analogia com a Luta de Box.
A atividade dos combatentes é semelhante a uma luta de box. Assim como faz parte da profissão de boxeador consentir em ser batido ou sofrer dano, combatentes sabem que faz parte de sua profissão matar e ser morto, logo, ambos os lados dão seu consentimento para a possibilidade de matar e ser morto.
(R.A.) Refutação de Jeff McMahan.
i. Refutação quanto à universalidade ou generalidade da Analogia da Luta de Box.
Não se aplica a todos os casos. É falso supor que combatentes universalmente consentem em ser atacados, sobretudo quando se trata de uma agressão injusta contra sua pátria. Seria um absurdo supor que as pessoas consentem em ser mortas pelos invasores.
ii. Insuficiência do Consentimento.
Consentimento não cria permissibilidade. Em muitos casos uma pessoa pode consentir ser morta, porém isso não criaria uma permissão para que ela fosse. Por exemplo, alguém pode dar seu consentimento para ser morto porque sua vida deixou de ter valor ou por alguma razão possui um desejo de morrer. Porém é preciso uma razão adicional para considerar que sua vida pode ser tirada. O caso do duelo é um exemplo, mesmo tendo consentido morrer não se encara a morte num duelo como moralmente correta.
iii. A injustiça da causa contamina a ação do combatente injusto e não a valida.
Mesmo que o consentimento fosse dado pelos combatentes e que houvesse até mesmo boas razões, a ação dos combatentes injustos ainda assim não poderia ser transformada em uma ação justa. Ela ainda seria uma ação não permitida porque ela é um instrumento para a realização de um fim injusto. Portanto, o consentimento da outra parte (combatente justo) não teria o condão de validar a ação injusta do combatente que age sobe uma causa injusta. Isso porque o fim injusto perseguido pelo lado injusto afetará não apenas os combatentes justos, mas, sim, todos aqueles que participam ou não do combate. A sociedade como um todo.
(B) Analogia com a luta de Gladiadores.
A analogia com a luta de gladiadores sustenta que assim como gladiadores são forçados a lutar em função da imposição de que morrerão se não o fizerem, combatentes de ambos os lados são obrigados a lutar sob pena de sofrer sanções, sobretudo, perder a vida. Ambos os gladiadores entendem que apenas participando do combate é que poderão ter alguma chance de vida e liberdade, pois sua recusa a luta será fatal para eles. Dadas essas condições os gladiadores não se responsabilizam mutuamente pelas mortes, não sujam as suas mãos. A morte de cada um é responsabilidade daqueles que os determinam lutar, que lhes impõem a violência e guerra como alternativa.
(R.B) Refutação de McMahan à Analogia do Gladiador.
O atual modus operandi de realizar a guerra não é compatível com o modelo dos gladiadores. Segundo Jeff McMahan a maioria dos combatentes não vão à guerra como consequência de uma coerção irresistível. Não seria verdade que a maioria dos combatentes que se recusasse à lutar seria morta pelos seus comandantes. Além de atacar a pretensão de universalidade do modelo do Gladiador, McMahan entende que esta analogia também padece da mesma crítica de alcance do modelo do lutador de box, a saber, que os erros de um combatente injusto não atingem apenas aos combatentes justos, mas, a todos aqueles a quem a guerra alcançar após ao seu fim, aquele em que os fins injustos prevalecerão. Os atos do combatente injusto não são errados apenas em função de um ataque indevido à um inocente, mas, também, porque servem de instrumento para um fim injusto.
Conclusão de Jeff McMahan sobre a ideia de consentimento expressa em (A) e (B).
Ambas as explicações não são compatíveis com a realidade e a natureza da guerra. Pressupõem que os combatentes são livres para escolher combater ou que estes não nenhuma escolha que possam fazer. Padece da falácia do tudo ou nada, pois considera ou que os combatentes estão livres para fazer toda e qualquer escolha ou que não possuem nenhuma liberdade visto serem escravos. Na verdade, compreende Jeff McMahan, a guerra é feita de níveis e degraus e nem sempre podemos afirmar que todos que nela combatem o fazem por livre escolha ou por total coerção.
(C) Consentimento Hipotético.
Se não há um consentimento real, poderia haver um consentimento hipotético baseado no grau de indeterminação epistêmica da justiça da causa. Isto é, dado que seria impossível ou muito difícil um combatente poder saber claramente se sua guerra é justa ou injusta, pois ele não tem provas, ou lhes falta meio de conhecimento suficiente, um combatente iria preferir uma regra em que lhe permitisse agir livremente (matando ou não matando) do que uma regra que lhe restringisse a ação, pois ele poderia estar, hipoteticamente, entre aqueles que estão lutando uma causa injusta.
(RC) Refutação de Jeff McMahan.
Retoma um argumento central em sua posição: a injustiça da ação dos combatentes injustos não se deve apenas aos possíveis danos que ocasionarão aos combatentes injustos, mas, sim, ao fato de que são meio, instrumento, para a realização de um fim injusto. Mesmo o consentimento hipotético não é suficiente para tornar permissível as ações dos combatentes injustos dada a sua contaminação pela raiz com a injustiça da causa e, neste caso eu adiciono, pelo fato de que as consequências da guerra injusta não atingirão apenas aos combatentes, mas, a todos aqueles que irão sofrer os efeitos da vitória do lado injusto.
Além desse ponto, Jeff McMahan também argumenta que seria mais racional aceitar um principio produzido por meio da deliberação racional que determinasse (a) a justiça da guerra e (b) proibisse o lado injusto de lutar, tornando-o passível de ser morto (liable to be killed). Aceitar um princípio assim seria mais racional porque produziria a possibilidade de diminuir o número de guerras e o número de mortes. Além disso, cada combatente teria menos chance de ser tratado como mero instrumento.
II. Argumento do Compromisso Institucional.
O Argumento do Compromisso Institucional foca no papel moral das Instituições Militares numa sociedade, assim:
(a) As instituições militares são moralmente importantes porque fazem parte da defesa da vida e da liberdade da comunidade política.
(b) Para que elas tenham um bom funcionamento é preciso haver uma divisão moral do trabalho das Instituições Militares. Autoridades Política e ou Comandantes devem deliberar sobre a justiça ou não da atuação das Instituições Militares e Combatentes devem obedecer sem julgamentos, sob pena de que haja a paralisação do funcionamento das Instituições Militares. Apenas assim elas podem agir de maneira rápida e eficiente, pois a deliberação da ação de forma pulverizada, combatente por combatente, minaria a capacidade de ação das Instituições Militares.
(c) Apenas operando nessa divisão moral do trabalho (autoridade deliberando e combatente abrindo mão da deliberação racional) é que as Instituições Militares poderiam realizar seus fins. Combatentes poderiam até ter razões individuais para não lutar, mas, abririam mão da sua deliberação porque as razões morais para manter a atuação da Instituições Militares seriam mais pesadas.
(d) Analogia com a justiça criminal.
O argumento acima é reforçado quando se pensa na justiça criminal. O processo criminal é pensado para ter uma divisão moral do trabalho. Ao júri cabe decidir sobre a condenação ou não e aos sistema de execução penal cabe o papel apensa de cumprir as determinações do juri, a saber, atuar no cumprimento da pena. A divisão do trabalho e do ônus moral tem por objetivo produzir resultados justos distribuindo papéis e desconcentrando poder nas mãos daqueles que atuam na justiça criminal. O sistema é desenhado de forma que os resultados sejam o menos possíveis questionáveis ou personalíssimos. Dessa feita é tarefa da corte declarar a culpabilidade ou não de alguém e não dos agentes prisionais, estes, se atuassem com base em suas próprias deliberações poderiam pôr em risco todo o sistema.
(R.C). Refutação ao Argumento do Compromisso Institucional
(i) Diferença entre justiça criminal e guerra quanto aos bens em jogo.
A analogia não alcança atos de guerra, pois estes determinam ou não permissibilidade de matar ou privar alguém de sua liberdade, em ambos os casos, o comprometimento institucional não é suficiente para garantir a permissibilidade da ação. Dificilmente concordaríamos que seria justificável executar uma pessoa que se sabe ser inocente, não se consideraria moralmente errado soltar tal pessoa.
(ii) O compromisso institucional depende de instituições justas.
O argumento do compromisso moral sustenta que devemos abrir mão do nosso julgamento sobre justiça ou de que deixemos de promover um ato que consideramos justo para apoiar e dar capacidade de ação para instituições justas. Porém, não existe exigibilidade moral de obedecer à instituições injustas. Como exemplos: o Exército Nazista ou a Guarda Republicana do Iraque. Em ambos os casos tais instituições são desenhadas para fins injustos. Dado que o compromisso institucional depende do arranjo institucional ser justo ou não, o alcance do presente argumento restringe-se e não pode ser considerado universal. Portanto não pode fundamentar a DIMC, dado que esta sustenta que independentemente da justiça das autoridades, combatentes justos ou injustos não agem errados.
(iii) O compromisso institucional depende de histórico institucional de justiça.
Se os combatentes têm de abrir mão de seu julgamento moral em prol das instituições dado que estas podem ser justas, McMahan lembra que a possibilidade de justiça das instituições é dependente da história institucional justa das Instituições Militares. Nem sempre isto ocorre.
(iv) Propósitos Morais e Funcionamento das Instituições Militares não seriam afetados pela recusa dos combatentes em lutar uma guerra injusta.
McMahan questiona se o funcionamento e os propósitos morais das Instituições Militares seriam ameaçados pela quebra da obediência automática à cadeia de comando. A história das guerras tem mostrado a capacidade de mobilização das autoridades políticas, sendo a insubordinação ou motins relativamente raros, especialmente quando motivado por preocupações morais. Mesmo que combatentes fossem incentivados à deliberar racionalmente não haveria grandes riscos ao funcionamento e propósitos morais das Instituições Militares. Em caso de guerras justas de defesa o risco ainda seria menor.
(v) Recusa em lutar guerras injustas não prejudica o funcionamento das Instituições Militares e seus Propósitos morais, mas, fortalece as mesmas.
Jeff McMahan defende com o exemplo de dois casos do Estado de Israel em 1982 que a recusa de participar de guerras injustas fortalece as instituições por conta do debate democrático que ela gera.
(vi) Uma guerra injusta pode causar mais danos às Instituições Militares do que a recusa dos combatentes em combater uma guerra injusta.
Jeff McMahan cita o exemplo de que desde o início da Guerra do Iraque a Acadêmia Militar de West Point tem perdido alunos. As bases motivacionais capazes de mobilizar a captação e manutenção de quadros para as Instituições Militares são fortemente afetadas por uma guerra injusta levando a população de uma comunidade política a não apoiar.
(vii) Diferenças entre a Justiça Criminal e a Justiça da Guerra.
Confiamos na justiça criminal porque ela possui um "procedimento imparcial" baseado na "presunção de inocência"que foi desenhado para ser epistemicamente mais confiável do que o julgamento pessoal. Todavia, diz Jeff McMahan, tal procedimento não existe quando temos de avaliar a decisão de ir à guerra. "Não existem mecanismos institucionais ou procedurais capazes de assegurar as considerações morais ou até mesmo de levar em consideração as restrições morais na hora de iniciar uma guerra".
Aqui um ponto interessante para quem estuda cosmopolitismo institucionalista. Jeff McMahan entende que o argumento do compromisso institucional teria uma força maior se existissem procedimentos institucionais governando o uso da força. Se existissem instituições e procedimentos poderíamos criar uma base de confiança em que a decisão de ir à guerra seria moralmente acertada.
III. A justificação subjetiva ou Argumento Epistemológico da DIMC.
Um dos fundamentos da DIMC é a alegação de que seria muito difícil ao combatente comum determinar se a guerra que ele é ordenado a lutar é justa ou injusta. Ele não tem condições de avaliar os fatos, pois seus meios de prova são escassos e ainda pode vir a sofrer manipulação do seu julgamento pelas autoridades políticas. O combatente não tem conhecimento de filosofia moral, têm pouca oportunidade de tempo para fazer reflexões, sendo assim, se suas autoridades legitimamente constituídas o ordenarem ir à guerra, diz Jeff McMahan, seria perfeitamente plausível para ele declinar de seu julgamento e confiar nos seus comandantes e autoridades políticas.
As dificuldades de julgamento moral dos combatentes acima relatadas acabam também por nutrir a DIMC. Jeff McMahan então nos mostra o argumento prol DIMC. Ele é composto por duas premissas:
(1) Premissa da explicação subjetiva da permissibilidade da ação.
(1.1) Pode se agir permissivamente mesmo se algumas das crenças que se tem como relevante para o que se deve fazer sejam falsas, porém razoáveis ou epistemicamente justificáveis pelas circunstâncias
e
(1.2) se age de forma que seria objetivamente justificável se tais crenças fossem verdadeiras.
(2) Premissa da aceitabilidade razoável da decisão das autoridades.
Dado (1) é razoável para os combatentes declinar de seu julgamento em favor das autoridades políticas de sua sociedade e aceitar que a guerra que travam é justa. Isto seria justo seja a guerra justa ou não de fato.
Contra-argumento de Jeff McMahan.
Jeff McMahan inicia sua refutação defendendo que o argumento epistêmico ou a explicação subjetiva da ação pode ser compreendida apenas em um sentido fraco da justificação da ação. Tanto na literatura jurídica quanto moral há uma distinção entre justificação e escusa.
Para alguns, justificação implica mais do que mera permissão. Pela alegação de que alguém está justificado a agir entende-se que um agente está justificado em realizar determinada ação, tendo o direito de agir de determinada maneira, o que implica, por sua vez, que outros tem o dever de não impedir a pessoa de agir da maneira que se considera justificável.
Jeff McMahan considera que se a explicação subjetiva da ação for compreendida dessa maneira ela será demasiadamente implausível. Nessa visão uma crença razoável mas errada pode ser fonte de um direito. Mas ao contrário, Jeff McMahan está considerando que o princípio previsto no argumento epistêmico da ação implica que uma crença razoável porém falsa pode tornar a ação permissível para um agente de outra forma estaria errado, mas não pode lhe dar o direito de agir dessa maneira.
Aqui entendo o seguinte: um agente que age mediante erro, devido à falta de provas, dificuldades de compreensão ou manipulação tem a permissão para agir dessa forma, pois acredita estar agindo certo dadas as circunstâncias em que se encontra. Porém, isso não lhe dá o direito de agir dessa forma, pois, se um agente que sabe da falsidade da crença da pessoa que está agindo tem o dever de lhe impedir para que não cometa o erro. Dado que a compreensão de direito que Jeff McMahan utiliza é a de que tenho o direito de agir de maneira (x) sendo proibido para os demais impedir que realize (x) é estabelecida uma distinção entre direito e permissão. Na permissibilidade está aberta a possibilidade de erro do Agente-A que realiza (x) e está autorizado aos demais Agentes-N, se verificado o erro, impedir o Agente-A de realizar (x). Porém, quando o Agente-A tem o direito, os demais Agentes-N tem o dever de não impedir o Agente-A de realizar(X).
O problema para Jeff McMahan é que se explicação subjetiva da permissibilidade da ação for correta, alguns resultados injustos terão de ser aceitos como permitidos. Por exemplo, o caso de uma criança sem educação que razoavelmente declina seu julgamento aos seus pais e autoridades políticas pode se tornar um agente terrorista e matar pessoas inocentes, uma vez que não está em condições razoáveis de avaliar suas ações. Outro exemplo que ele utiliza é o de que se for razoável declinar o julgamento para as autoridades políticas ou comandantes nada impede um combatente em guerra matar um grupo de crianças.
A disputa de Jeff McMahan aqui parece ser sobre os limites e extensão da outorga do julgamento para terceiros. Parece que ele quer nos dizer que se aceitamos que uma pessoa racional decline seus julgamentos morais todas as vezes em que for razoável ou funcional um terceiro fazê-los por nós o que estamos abrindo é a possibilidade de que todas as ações se tornem permissíveis e ou impedindo de realizar de qualquer julgamento moral sobre as ações do agente que declina sua faculdade de julgar.
No entanto, Jeff McMahan considera que a razão para que o argumento epistêmico seja errado é a falsidade da segunda premissa. Para ele algumas vezes é razoável para um combatente injusto acreditar que sua guerra é justa, outras vezes não. A DIMC não sustenta que a participação numa guerra justa pode ser considerada permitida desde que haja crenças razoáveis de que guerra ora travada é justa. Ao contrário, entende Jeff McMahan, a DIMC sustenta que os combatentes não são responsáveis pela guerra, seja ela justa ou não, não cometendo erros morais quando combatem sob uma causa injusta mesmo que tenham motivos razoáveis para não agir dessa forma.
O argumento epistêmico poderia ainda sustentar a DIMC numa versão menos exigente. Uma que dissesse que dado que não sabemos como distinguir entre
(a) combatentes injustos que razoavelmente acreditam que sua guerra é justa;
(b) aqueles que sabem que sua guerra é injusta; e
(c) aqueles que acreditam que ela é injusta mas irrazoável,
Na prática, sustentaria-se nessa posição, nós deveríamos sempre agir sob a presunção de que combatentes injustos agem permissivelmente. Trata-se de uma afirmação mais fraca e pragmática da DIMC.
Para McMahan este argumento mais fraco também é errado. Segundo argumenta pode até ser verdade que a maioria dos combatentes injustos acreditem que sua guerra é justa, mas não que acreditem que sua guerra é razoável. Mas, novamente a questão dos elementos que se encontram disponíveis e acessíveis ao combatente comum entram em cena, sendo muito difícil determinar quando existem recursos suficientes capazes de informar o julgamento moral. Jeff McMahan considera que até mesmo em democracias consolidadas como os EUA é difícil confiar plenamente nos governos.
IV. Desobediência Simétrica?
Nessa parte Jeff McMahan responde a seguinte pergunta: se combatentes devem firmar seu posicionamento moral e não participar de guerras injustas, o que lhes impediria de fazer o contrário, ou seja, deliberar e ir à guerra quando considerasse que a mesma é justa é não está sendo travada?
Segundo Jeff McMahan há pelo menos um bom motivo para considerar que a recíproca não é verdadeira: enquanto um indivíduo pode recusar sozinho ir à guerra ele não pode iniciar sozinho uma guerra, pois esta é um empreendimento coletivo. Mesmo que um grupo de indivíduos possa se reunir e decidir ir à guerra a decisão de travá-la não pertence apenas um sujeito, mas à autoridade legítima. A subordinação dos militares ao controle civil é parte da exigência do princípio a autoridade legítima.
Em que pese a não permissão de uma guerra sem a devida autorização não ser uma questão de princípios fundamentais, Jeff McMahan considera que existem razões pragmáticas para não permitir uma guerra sem o devido aceite da autoridade legítima. As consequências de uma guerra são severas ao ponto de que deve haver um procedimento institucional devidamente desenhado para assegurar de que não se decidirá por ela sem a devida justificação.
No entanto Jeff McMahan não descarta a possibilidade de que haveria legitimidade em grupos reagindo e indo à guerra quando seus governos ou autoridades legitimamente constituídas ficam paralisadas em procedimentos e não conseguem tomar decisões adequadas diante casos urgentes. Basta pensar em casos como o massacre étnico na Sérvia em 1992 ou no genocídio em Ruanda em 1994.
V. Objeção de Consciência.
Aqui entra a parte que considero principal no texto de Jeff McMahan. A principal implicação prática de seus argumentos reside em considerar os combatentes como pessoas morais capazes de deliberarem e decidirem moralmente tornando a guerra passível de consideração moral sobretudo por parte daqueles que atuam diretamente em suas mazelas. Os combatentes nessa visão revisionista do jus in bellum não serão mais tratados como mero meio, objeto para ação política.
Para Jeff McMahan os combatentes devem ser encorajados a fazer a devida reflexão moral. Isso pode produzir uma nova cultura e moralidade da guerra uma vez que os combatentes passam a ser considerados como sujeitos capazes de exercer autonomia. Abandonando a confortável ficção da igualdade moral dos combatentes entrando em suas mãos também a responsabilidade pela guerra.
As combatentes, dado o risco maior de se tornarem objeto numa guerra injusta, cabe o dever de buscar e procurar o máximo de informações possíveis para entender a moralidade do conflito que possa lhes atingir.
Para a sociedade civil cabe o dever de informar e contribuir para a formação de seus combatentes para que estes possam adquirir capacidades de julgar e entender os conflitos morais, servindo assim melhor os interesses da comunidade política. Para Jeff McMahan essa proposta se concretiza sobretudo ao criar a possibilidade de objeções de consciência que não sejam demasiadamente custosas. Uma legislação e instauração de devidos processos legais poderia evitar os abusos do apelo à objeção de consciência ao mesmo tempo que criaria uma cultura pública de julgamento da guerra entre os combatentes.
As dificuldades de julgamento moral dos combatentes acima relatadas acabam também por nutrir a DIMC. Jeff McMahan então nos mostra o argumento prol DIMC. Ele é composto por duas premissas:
(1) Premissa da explicação subjetiva da permissibilidade da ação.
(1.1) Pode se agir permissivamente mesmo se algumas das crenças que se tem como relevante para o que se deve fazer sejam falsas, porém razoáveis ou epistemicamente justificáveis pelas circunstâncias
e
(1.2) se age de forma que seria objetivamente justificável se tais crenças fossem verdadeiras.
(2) Premissa da aceitabilidade razoável da decisão das autoridades.
Dado (1) é razoável para os combatentes declinar de seu julgamento em favor das autoridades políticas de sua sociedade e aceitar que a guerra que travam é justa. Isto seria justo seja a guerra justa ou não de fato.
Contra-argumento de Jeff McMahan.
Jeff McMahan inicia sua refutação defendendo que o argumento epistêmico ou a explicação subjetiva da ação pode ser compreendida apenas em um sentido fraco da justificação da ação. Tanto na literatura jurídica quanto moral há uma distinção entre justificação e escusa.
Para alguns, justificação implica mais do que mera permissão. Pela alegação de que alguém está justificado a agir entende-se que um agente está justificado em realizar determinada ação, tendo o direito de agir de determinada maneira, o que implica, por sua vez, que outros tem o dever de não impedir a pessoa de agir da maneira que se considera justificável.
Jeff McMahan considera que se a explicação subjetiva da ação for compreendida dessa maneira ela será demasiadamente implausível. Nessa visão uma crença razoável mas errada pode ser fonte de um direito. Mas ao contrário, Jeff McMahan está considerando que o princípio previsto no argumento epistêmico da ação implica que uma crença razoável porém falsa pode tornar a ação permissível para um agente de outra forma estaria errado, mas não pode lhe dar o direito de agir dessa maneira.
Aqui entendo o seguinte: um agente que age mediante erro, devido à falta de provas, dificuldades de compreensão ou manipulação tem a permissão para agir dessa forma, pois acredita estar agindo certo dadas as circunstâncias em que se encontra. Porém, isso não lhe dá o direito de agir dessa forma, pois, se um agente que sabe da falsidade da crença da pessoa que está agindo tem o dever de lhe impedir para que não cometa o erro. Dado que a compreensão de direito que Jeff McMahan utiliza é a de que tenho o direito de agir de maneira (x) sendo proibido para os demais impedir que realize (x) é estabelecida uma distinção entre direito e permissão. Na permissibilidade está aberta a possibilidade de erro do Agente-A que realiza (x) e está autorizado aos demais Agentes-N, se verificado o erro, impedir o Agente-A de realizar (x). Porém, quando o Agente-A tem o direito, os demais Agentes-N tem o dever de não impedir o Agente-A de realizar(X).
O problema para Jeff McMahan é que se explicação subjetiva da permissibilidade da ação for correta, alguns resultados injustos terão de ser aceitos como permitidos. Por exemplo, o caso de uma criança sem educação que razoavelmente declina seu julgamento aos seus pais e autoridades políticas pode se tornar um agente terrorista e matar pessoas inocentes, uma vez que não está em condições razoáveis de avaliar suas ações. Outro exemplo que ele utiliza é o de que se for razoável declinar o julgamento para as autoridades políticas ou comandantes nada impede um combatente em guerra matar um grupo de crianças.
A disputa de Jeff McMahan aqui parece ser sobre os limites e extensão da outorga do julgamento para terceiros. Parece que ele quer nos dizer que se aceitamos que uma pessoa racional decline seus julgamentos morais todas as vezes em que for razoável ou funcional um terceiro fazê-los por nós o que estamos abrindo é a possibilidade de que todas as ações se tornem permissíveis e ou impedindo de realizar de qualquer julgamento moral sobre as ações do agente que declina sua faculdade de julgar.
No entanto, Jeff McMahan considera que a razão para que o argumento epistêmico seja errado é a falsidade da segunda premissa. Para ele algumas vezes é razoável para um combatente injusto acreditar que sua guerra é justa, outras vezes não. A DIMC não sustenta que a participação numa guerra justa pode ser considerada permitida desde que haja crenças razoáveis de que guerra ora travada é justa. Ao contrário, entende Jeff McMahan, a DIMC sustenta que os combatentes não são responsáveis pela guerra, seja ela justa ou não, não cometendo erros morais quando combatem sob uma causa injusta mesmo que tenham motivos razoáveis para não agir dessa forma.
O argumento epistêmico poderia ainda sustentar a DIMC numa versão menos exigente. Uma que dissesse que dado que não sabemos como distinguir entre
(a) combatentes injustos que razoavelmente acreditam que sua guerra é justa;
(b) aqueles que sabem que sua guerra é injusta; e
(c) aqueles que acreditam que ela é injusta mas irrazoável,
Na prática, sustentaria-se nessa posição, nós deveríamos sempre agir sob a presunção de que combatentes injustos agem permissivelmente. Trata-se de uma afirmação mais fraca e pragmática da DIMC.
Para McMahan este argumento mais fraco também é errado. Segundo argumenta pode até ser verdade que a maioria dos combatentes injustos acreditem que sua guerra é justa, mas não que acreditem que sua guerra é razoável. Mas, novamente a questão dos elementos que se encontram disponíveis e acessíveis ao combatente comum entram em cena, sendo muito difícil determinar quando existem recursos suficientes capazes de informar o julgamento moral. Jeff McMahan considera que até mesmo em democracias consolidadas como os EUA é difícil confiar plenamente nos governos.
IV. Desobediência Simétrica?
Nessa parte Jeff McMahan responde a seguinte pergunta: se combatentes devem firmar seu posicionamento moral e não participar de guerras injustas, o que lhes impediria de fazer o contrário, ou seja, deliberar e ir à guerra quando considerasse que a mesma é justa é não está sendo travada?
Segundo Jeff McMahan há pelo menos um bom motivo para considerar que a recíproca não é verdadeira: enquanto um indivíduo pode recusar sozinho ir à guerra ele não pode iniciar sozinho uma guerra, pois esta é um empreendimento coletivo. Mesmo que um grupo de indivíduos possa se reunir e decidir ir à guerra a decisão de travá-la não pertence apenas um sujeito, mas à autoridade legítima. A subordinação dos militares ao controle civil é parte da exigência do princípio a autoridade legítima.
Em que pese a não permissão de uma guerra sem a devida autorização não ser uma questão de princípios fundamentais, Jeff McMahan considera que existem razões pragmáticas para não permitir uma guerra sem o devido aceite da autoridade legítima. As consequências de uma guerra são severas ao ponto de que deve haver um procedimento institucional devidamente desenhado para assegurar de que não se decidirá por ela sem a devida justificação.
No entanto Jeff McMahan não descarta a possibilidade de que haveria legitimidade em grupos reagindo e indo à guerra quando seus governos ou autoridades legitimamente constituídas ficam paralisadas em procedimentos e não conseguem tomar decisões adequadas diante casos urgentes. Basta pensar em casos como o massacre étnico na Sérvia em 1992 ou no genocídio em Ruanda em 1994.
V. Objeção de Consciência.
Aqui entra a parte que considero principal no texto de Jeff McMahan. A principal implicação prática de seus argumentos reside em considerar os combatentes como pessoas morais capazes de deliberarem e decidirem moralmente tornando a guerra passível de consideração moral sobretudo por parte daqueles que atuam diretamente em suas mazelas. Os combatentes nessa visão revisionista do jus in bellum não serão mais tratados como mero meio, objeto para ação política.
Para Jeff McMahan os combatentes devem ser encorajados a fazer a devida reflexão moral. Isso pode produzir uma nova cultura e moralidade da guerra uma vez que os combatentes passam a ser considerados como sujeitos capazes de exercer autonomia. Abandonando a confortável ficção da igualdade moral dos combatentes entrando em suas mãos também a responsabilidade pela guerra.
As combatentes, dado o risco maior de se tornarem objeto numa guerra injusta, cabe o dever de buscar e procurar o máximo de informações possíveis para entender a moralidade do conflito que possa lhes atingir.
Para a sociedade civil cabe o dever de informar e contribuir para a formação de seus combatentes para que estes possam adquirir capacidades de julgar e entender os conflitos morais, servindo assim melhor os interesses da comunidade política. Para Jeff McMahan essa proposta se concretiza sobretudo ao criar a possibilidade de objeções de consciência que não sejam demasiadamente custosas. Uma legislação e instauração de devidos processos legais poderia evitar os abusos do apelo à objeção de consciência ao mesmo tempo que criaria uma cultura pública de julgamento da guerra entre os combatentes.